
No final de janeiro (28/01/2022), escrevi nesta coluna um texto lembrando a libertação do campo de concentração de Auschwitz (Polônia), realizada pelas tropas soviéticas, em 27 de janeiro de 1945. Intitulado “Os nossos holocaustos”, o texto lembrava o Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto, estabelecido pela ONU, em 2005. Neste texto, alertei sobre os nossos erros históricos, desejando que a recordação deles impeça a repetição de tragédias lamentáveis e evitáveis.
Recorrendo às atitudes praticadas e defendidas pelo atual governo brasileiro (negacionismo, corrupção, negligência, indicação de medicamentos ineficazes contra a Covid-19 e a retenção de recursos destinados para o combate à devastação ambiental), demonstrei que mentalidades doentias e egoístas ainda ocupam grande espaço na sociedade brasileira.
Nesse sentido, o enfraquecimento da democracia e o desprezo pelos direitos humanos empurram o Brasil para caminhos perigosos, sendo eles já sinalizados por ações de grupos que defendem a Ditadura Militar, atacam as instituições democráticas, intimidam a participação social e abolem direitos fundamentais.
Estas veredas perigosas traçadas pelo Brasil também podem ser vislumbradas através do reaparecimento de fenômenos que já estávamos prestes a superar ou já havíamos superado: a fome, o desemprego, a inflação, o desmatamento, a extrema pobreza, o analfabetismo e o trabalho escravo.
Nos últimos dias, tivemos outras demonstrações de que mentalidades doentias coexistem no país: o bárbaro assassinato do congolês Moïse, a apologia ao nazismo realizada por políticos e comunicadores, a discriminação presidencial contra os nordestinos e a campanha antivacinação.
Ato bárbaro também pode ser visto no assassinato da missionária norte-americana Dorothy Mae Stang (1931 – 2005), que neste dia 12 de fevereiro completa 17 anos. Pertencente à congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, a religiosa foi assassinada aos 73 anos de idade sem a mínima chance de defesa. Foram seis tiros à queima roupa, um deles na cabeça. Ela tombou em Anapu, no oeste do Estado do Pará, enquanto se dirigia para um assentamento de agricultores rurais.
Irmã Dorothy Stang era integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja Católica. Em Anapu, ela liderou o primeiro projeto de desenvolvimento sustentável da região, o PDS Esperança. Stang lutava pela regularização da terra para famílias de trabalhadores rurais e combatia a violência das invasões ao projeto, praticada por grileiros, madeireiros e fazendeiros. Dorothy estava presente na Amazônia desde a década de setenta junto aos trabalhadores rurais da região do Xingu.
Dentre as suas atividades em favor dos mais empobrecidos, ela ajudou a fundar a primeira escola de formação de professores na rodovia Transamazônica. Era a escola Brasil Grande. Ainda em 2004, ela recebeu premiação da Ordem dos Advogados do Brasil pela sua luta em defesa dos direitos humanos. O corpo da missionária está enterrado em Anapu, onde recebe as homenagens de tantos que nela reconhecem as virtudes heroicas cristãs.
Atualmente, a barbárie e o ódio ganham visibilidade pública utilizando-se de redes sociais, sendo legitimadas por políticos ultradireitistas, muitas vezes escondidas atrás de condutas religiosas e devocionais. No Palácio do Planalto já se descobriu até um “gabinete do ódio”, encarregado de disseminar notícias falsas contra adversários políticos, contrariando qualquer principio ético e republicano. Tendo em vista este modo de proceder, já se prevê, neste ano, uma campanha eleitoral agressiva, desonesta e desrespeitosa.
Ainda perdemos diariamente centenas de vidas para a covid-19, numa guerra contra a omissão, a irresponsabilidade e a ignorância. Diante de tempos e ânimos tão beligerantes e da prática escancarada da violência é necessário acreditar que a “esperança ainda pode vencer o medo”, que a “verdade vencerá a mentira” e que a justiça e o bem comum prevalecerão sobre a barbárie, a intolerância e a desigualdade aviltante.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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