BRASÍLIA – O Ministério da Saúde vai oferecer as vagas do programa Mais Médicos inicialmente previstas para profissionais cubanos para brasileiros formados no Brasil e no exterior. A estratégia, anunciada nesta segunda-feira, 17, pelo ministro da Saúde, Ricardo Barros, ocorre diante da suspensão determinada por Cuba da vinda de 710 profissionais para o programa. A decisão do governo cubano foi antecipada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Os profissionais, que já estavam em treinamento, deveriam desembarcar no Brasil neste mês.
Está prevista para as próximas semanas uma reunião entre representantes do Ministério da Saúde, representantes da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e do governo cubano para decidir a estratégia que será adotada a partir de agora. A decisão de Cuba de suspender o envio de médicos é uma reação ao expressivo aumento de ações na Justiça garantindo a permanência de profissionais cubanos no Brasil, depois de eles serem convocados de volta pelo governo da ilha.
Como o jornal mostrou, há pelo menos 88 liminares garantindo a estadia dos médicos no País. São todos profissionais que completaram três anos de permanência no programa e que, em tese, poderiam ter o contrato renovado por mais três anos. O governo cubano, no entanto, em uma estratégia para tentar evitar o risco de seus profissionais estreitarem os laços com o Brasil, vem solicitando que a maioria retorne para a ilha. O recrutamento de cubanos para o Mais Médicos é fruto de um convênio realizado entre Brasil, Cuba e Opas. O representante da organização no Brasil, Joaquim Molina, afirmou estar esperançoso que um entendimento seja alcançado.
Barros disse que a decisão de Cuba não trará prejuízos para o acordo. “O convênio será mantido. Ele está assinado com duração de três anos, há um incômodo do governo de Cuba com as ações judiciais determinando a permanência de cubanos no Brasil, e isso desestrutura o convênio como está formado. Mas o Judiciário tem autonomia”, afirmou o ministro. Pelos cálculos do governo, pelo menos 4 mil médicos cubanos deverão deixar o Brasil até julho, depois de terem permanecido durante três anos trabalhando no programa brasileiro.
O ministro da Saúde observou que já era interesse do governo brasileiro reduzir a participação de médicos cubanos no programa. Ano passado, eram 11.400. A expectativa era chegar a 7.400 em três anos. Até agora, 1 mil já deixaram o Brasil e foram substituídos por profissionais brasileiros. Diante da decisão de Cuba, esse cronograma terá de ser apressado.
Integrantes do ministério ouvidos pela reportagem, no entanto, deixam claro que essa decisão de Cuba deverá provocar vazios assistenciais. Isso porque a expectativa do governo federal era reservar para médicos daquele país às vagas que tradicionalmente são consideradas pouco atrativas por profissionais brasileiros, como áreas de difícil acesso e distritos sanitários indígenas.
Há ainda outro problema: a rotatividade. Médicos brasileiros ficam tradicionalmente um período muito curto no programa. Não é raro eles desistirem para ocupar vagas em cidades maiores. Com profissionais cubanos, em contrapartida, há a tendência de que eles permaneçam pelo menos os três anos no posto em que inicialmente foram encaminhados.
No primeiro momento, o Ministério da Saúde cogitou a possibilidade de enviar uma delegação para Cuba para discutir o impasse. Essa ideia, no entanto, está quase descartada. O esforço agora é tentar nesta etapa uma solução conjunta em discussões no Brasil. Para isso, o País conta fundamentalmente com a intermediação feita por representantes da Opas.
Ameaça ao programa
O Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) decidiu agir para tentar conter a expansão de ações na Justiça movidas por profissionais cubanos interessados em permanecer no Mais Médicos. Em um comunicado divulgado nesta segunda-feira, o conselho afirma que o aumento de ações coloca em risco a continuidade do programa e recomenda que gestores evitem fazer qualquer tipo de documento apoiando a permanência dos profissionais em suas cidades.
“Entre as ações judiciais ajuizadas contra o Ministério da Saúde várias delas trazem em seu teor um documento do próprio gestor apoiando a demanda do profissional”, afirma o comunicado. Documentos que, na avaliação da entidade, podem dificultar a defesa feita pela União.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente do Conasems, Mauro Guimarães Junqueira, confirmou a preocupação. “São cartas feitas de boa-fé. Mas podem prejudicar. É ruim para Cuba. É ruim para o Brasil”. No comunicado, o Conasems também procura afastar qualquer tentativa de prefeitos para contratar de forma direta os profissionais recrutados por meio do convênio firmado com o governo cubano e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). “É absolutamente claro que nenhuma entidade dos governos brasileiros (…) pode contratar diretamente qualquer médico cubano fora do escopo do programa de cooperação técnica da Opas” diz o texto.
O alerta do Conasems tenta evitar ainda que gestores opinem sobre o sistema de pagamento dos profissionais cubanos, que é diferente do ofertado para brasileiros. “A remuneração do médico cubano observa as regras do seu país e daquilo que o governo de Cuba pactua com a Opas, sobre as quais não cabe ao governo brasileiro ingerir.” Guimarães Junqueira afirmou ter recebido nos últimos dias vários telefonemas de secretários de saúde receosos de que o programa acabe. “Tenho dito que não é assim. Há um crescente interesse de profissionais brasileiros”, afirmou.
Até semana passada, conforme o jornal O Estado de S. Paulo informou, havia 88 liminares assegurando aos profissionais o direito de permanecer no Brasil. Muitos têm ainda o direito de permanecer trabalhando no Mais Médicos. Diante da suspensão do envio de profissionais, o governo brasileiro decidiu, em um primeiro momento, preencher as vagas com médicos brasileiros formados no Brasil ou no exterior. A reportagem apurou, no entanto, que o próprio governo reconhece que tal arranjo não vai resolver o problema.
Médicos brasileiros resistem em ir para locais considerados mais distantes e em distritos sanitários indígenas, por exemplo. A rotatividade de profissionais brasileiros também é muito superior da que é registrada entre médicos recrutados no programa da Opas.
Nas próximas semanas, um encontro deverá ser realizado entre Brasil, Opas e representantes do governo de Cuba. Embora o Brasil e a Opas tenham interesse em manter o acordo, não há, neste momento, nenhuma grande oferta que o governo brasileiro possa fazer a Cuba para evitar que novas ações na Justiça sejam interpostas. Está descartada, por enquanto, qualquer possibilidade de mudança no contrato com Cuba, renovado por mais três anos no ano passado.
(Estadão Conteúdo/ATUAL)