Por Samuel Fernandes, da Folhapress
SÃO PAULO – A lista de espera para receber um transplante de córnea no Brasil basicamente dobrou desde 2019: saltou de cerca de 12 mil pacientes no aguardo durante aquele ano para mais de 24 mil, número registrado em março de 2023. O dado foi apresentado durante um evento do CBO (Conselho Brasileiro de Oftalmologia) com informações do SNT (Sistema Nacional de Transplantes).
O intervalo de tempo inclui 2020, período de maior queda dos procedimentos e primeiro ano da pandemia de Covid-19. Com o arrefecimento da crise sanitária, o índice de cirurgias por ano até voltou a subir, mas ainda está abaixo do que foi registrado anteriormente.
A córnea é uma camada transparente que envolve o olho. Ela protege o órgão, além de ser necessária para uma visão adequada. Quando alguma complicação atinge esse tecido ocular, um transplante pode ser necessário a fim de evitar a evolução a problemas mais graves, como cegueira.
No Brasil, o acesso ao transplante de córnea é centralizado em uma única lista. Ou seja, independente se o atendimento é realizado na rede pública ou privada, a lista é a mesma. O problema é que, nos últimos anos, essa espera cresceu muito.
“As filas aumentaram e aproximadamente dobraram o tempo de espera”, resumiu Frederico Pena, diretor tesoureiro do CBO.
A demora para ter um transplante varia a depender do estado. O Ceará é o que tem o menor tempo de espera estimado: o paciente aguarda cerca de um mês para a cirurgia. Por outro lado, se a pessoa estiver no Pará, deve contar com cerca de dois anos e dois meses para a realização da operação, o pior índice do Brasil.
Um dos fatores que pode explicar o cenário de demora extensa é a pandemia de Covid-19. Em 2020, primeiro ano da emergência sanitária, foram 4.374 transplantes de córnea na rede pública do país. O número é basicamente a metade do que foi visto entre 2012 e 2019, quando o Brasil apresentou uma média de 8.388 procedimentos por ano.
Em 2021 e 2022, o número de transplantes voltou a um patamar mais comum, com mais de 7.000 cirurgias a cada ano. Mesmo assim, Wilma Lelis, primeira secretária do CBO, afirma que “a despeito da passagem da pandemia e a retomada desses transplantes, a gente não alcançou um número ideal, há uma fila grande de pacientes aguardando”.
Ela conta que a dificuldade para realizar os transplantes em pacientes é sentida pela comunidade médica. “Nos bastidores, os médicos observam, em seus serviços, o crescimento do número de pessoas aguardando o transplante”.
Diferenças regionais
Além de dados da espera, o evento trouxe um levantamento do CBO baseado em informações públicas dos transplantes realizados no SUS. Uma das informações compreende as diferenças regionais.
A maior parte das cirurgias são feitas na região Sudeste: entre 2012 e 2022, foram quase 47% do total. Enquanto isso, a região Norte foi responsável por somente 5% das operações.
O Sudeste também concentra a maior parte dos bancos de tecidos oculares: são 52 em todo o país, sendo que 17 estão nessa região. Enquanto isso, o Norte do país só concentra quatro dessas instituições. É lá também que se encontram os únicos três estados brasileiros que não contam com esses bancos: Acre, Amapá e Roraima.
Esses centros de referência são responsáveis pela captação e conservação adequada das córneas e de outros tecidos oculares. Por isso, eles são uma parte importante na engrenagem que envolve as cirurgias. “Os transplantes ocorrem em maior número nos estados onde há maior captação de córnea”, afirma Pena.
Ele explica que até pode existir a disponibilidade de equipes aptas a realizar os transplantes, mas se não houver um sistema de captação eficiente de córneas naquele local, o número de transplantes será afetado.
Dessa forma, o maior número de bancos de tecidos oculares em determinadas localidades pode gerar cenários desiguais entre as regiões.
Um exemplo citado por Pena são pessoas que viajam a São Paulo a fim de realizar o transplante de córnea já que o estado conta com maior capacidade de captação: são nove bancos de tecidos no estado, o maior número em todo o país, e cerca de seis meses de espera, um dos intervalos mais curtos do Brasil.