
Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS — A Sexta Turma do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, considerou válida a consulta realizada pelo CIM (Conselho Indígena Mura) que resultou na aprovação do Projeto Autazes. O colegiado também reconheceu a competência do Ipaam para licenciar o projeto e autorizou a continuação do empreendimento. O julgamento ocorreu na quarta-feira (7).
Em debate intenso, o desembargador Flávio Jardim, relator do caso, defendeu que indígenas negociem compensações com a Potássio do Brasil e alegou que os povos originários não têm poder de vetar o empreendimento. Ele também fez críticas à juíza Jaiza Fraxe porque ela considerou a consulta ilegítima mesmo após ter acompanhado o processo desde o começo.
“As partes terão que negociar as compensações. Os indígenas terão que ouvir e ser ouvidos. E isso, ao que parece, também não está sendo permitido nesse processo”, afirmou Jardim. “Não me parece adequada a mensagem que lhes foi transmitida, de que haveria um poder de aprovação — porque esse poder de aprovação não existe”, disse o relator.
“A obrigação de consulta foi cumprida há mais de sete anos, com acompanhamento judicial. E aqui faço uma crítica, com todas as vênias, à juíza de origem: ela acompanhou o processo de consulta — e sabia que quem estava licenciando o projeto era o Ipaam — para depois dizer que essa consulta era ilegítima”, afirmou o desembargador.
A Sexta Turma julgou um recurso do CIM contra decisão da juíza Jaiza Fraxe, da Justiça Federal do Amazonas, que suspendeu uma consulta a indígenas Mura realizada em setembro de 2023 que aprovou a exploração de potássio em Autazes. Na mesma decisão, Jaiza decidiu que o Ibama — e não o Ipaam — era o órgão competente para licenciar o projeto.
Ao discordar de Jardim em voto-vista, a desembargadora Kátia Balbino de Carvalho Ferreira afirmou que o recurso havia perdido o sentido, pois houve uma nova decisão da juíza que, ao reforçar a primeira, considerou indícios de que indígenas estavam sendo aliciados para apoiar o projeto. Além disso, Jaiza considerou que houve mudança no protocolo de consulta.
Ferreira também alegou falta de fundamentação. Ela considerou que o povo indígena Mura está dividido em relação ao projeto. “Os documentos anexados ao processo principal revelam uma evidente divisão entre as aldeias dos indígenas Mura, tratando-se de um dissenso que compromete a conclusão pela validade do procedimento de consulta neste agravo, que se tem como concretizado”, afirmou.
Flávio Jardim defendeu o avanço do projeto e disse que a “problemática” em torno da proposta surgiu da ideia de que os indígenas deveriam aprová-lo. “Toda essa problemática surgiu também por conta da impressão de que eles teriam que aprovar o projeto, quando, na verdade, não têm poder de veto”, afirmou o desembargador.
O relator também afirmou que a área não é demarcada e que, caso haja a demarcação da terra indígena, haverá desintrusão. “Até aqui, não está demarcada. Se for demarcada, qual será a solução? Será simplesmente a mesma adotada para todas as terras demarcadas que tenham ocupações: haverá desintrusão [retirada de não indígenas]. É assim que ocorre”, disse Flávio Jardim.
O desembargador João Carlos Mayer Soares, dono do voto que decidiu o julgamento, entendeu que a consulta realizada pelo CIM deveria ser reconhecida neste momento — ele entende que eventual irregularidade poderá ser julgada por Jaiza. João acompanhou Flávio Jardim e, por maioria, a Sexta Turma autorizou a continuação do projeto.
Além de considerar válidos a consulta e o consentimento emanado pelo CIM como representante do povo Mura em Autazes, o TRF1 reconheceu a competência do Ipaam para licenciar o empreendimento e a validade de todos os atos praticados e afastou a necessidade de autorização do Congresso Nacional para exploração naquela área.
O Governo do Amazonas, que trata o projeto como “um dos mais importantes para o desenvolvimento da economia amazonense”, tem expectativa de geração de 17 mil empregos diretos e indiretos. “Agora o projeto pode prosseguir com mais segurança, e beneficiará o Estado, Municípios e grande parte da população amazonense”, disse o procurador do estado Fabiano Buriol.
A mina
A Potássio do Brasil prevê que as atividades para extração do minério durem 23 anos. De acordo com os estudos de impacto ambiental da empresa, a mina em Autazes tem área de 130 quilômetros quadrados entre os rios Amazonas e Madeira. Com o volume extraído no Amazonas, a empresa prevê a produção de 20% do potássio consumido no Brasil.
As instalações industriais da Potássio do Brasil serão construídas a 19 quilômetros em linha reta da área urbana de Autazes. O produto será transportado por estrada até um porto na vila de Urucurituba, situada na margem esquerda do Rio Madeira. Para isso, a empresa irá asfaltar a estrada existente. O porto fica a 24 quilômetros da foz do Rio Madeira.
No local do empreendimento, a empresa irá retirar a rocha silvinita (composta pela halita, que é o cloreto de sódio, conhecido como sal de cozinha, e pela silvita, que é o cloreto de potássio, a matéria prima do fertilizante). O minério está a cerca de 800 metros de profundidade. A silvinita será tratada para que se transforme em fertilizante.
O empreendimento precisará de energia elétrica para sua operação. Para isso, a previsão da empresa é fazer uma linha de transmissão a partir do Linhão de Tucuruí até Autazes, beneficiando toda a região com energia elétrica e, consequentemente, fibra ótica. O ponto mais próximo é a subestação de Silves, a 165 quilômetros da planta de processamento.
As instalações não ficarão dentro das comunidades indígenas, mas a atividade vai afetar áreas em que eles coletam frutos, extraem castanha, caçam e pescam, conforme apontou uma inspeção judicial realizada no dia 29 de março de 2022. As aldeias do Lago Soares, que estão mais próximas do empreendimento, estão cerca de 2 quilômetros de distância do local.
Além das questões ambientais, o empreendimento tem impactos sociais, como o estímulo à prostituição e ao uso e tráfico de drogas, segundo os próprios estudos da Potássio do Brasil.