No início desta semana, segunda-feira, dia 17 de junho, foi lançado publicamente o Instrumentum Laboris, segundo documento em preparação ao sínodo especial para a Amazônia que ocorrerá em Roma de 06 a 27 de outubro, com o título ‘Amazônia: novos caminhos para a igreja e para uma ecologia integral’.
Instrumentum Laboris significa Documento de Trabalho e representa um texto mártir que serve como um rascunho para a escrita do terceiro e último documento sinodal que é a exortação apostólica que será assinada pelo Papa Francisco com orientações para a caminhada da Igreja na Amazônia.
O processo sinodal tem marcado profundamente a história da Igreja Católica na imensa Amazônia e representa uma oportunidade para se fazer memória, reconhecer os erros e acertos do passado e redefinir novos projetos à luz teologia da criação guiada pela proposta da Ecologia Integral. Tem sido um profundo processo de escuta que já envolveu perto de 100 mil pessoas simultaneamente nos nove países que forma a Pan-Amazônia.
Em seu encontro com os Povos Indígenas em porto Maldonado, na Amazônia Peruana, em janeiro de 2018, o Papa Francisco insistia: “É bom que agora sejais vós próprios a autodefinir-vos e a mostrar-nos a vossa identidade. Precisamos escutar-vos”.
De fato, a Igreja institucional estabeleceu uma dinâmica de grande escuta dos povos de toda Amazônia. Do campo e das cidades, das florestas e dos rios, de todos os lugares, vieram vozes clamando justiça, direitos, paz, educação, saúde, segurança e todas as dimensões que perpassam a condição humana intermediada pela natureza ameaçada nesta grande Amazônia. Tudo isso foi recolhido, sistematizado e transcrito de forma sintética e pedagógica no Instrumentum Laboris.
O documento possui pouco mais de 50 páginas textuais, didaticamente subdividido em 147 tópicos ou parágrafos temáticos que facilitam a leitura e a compreensão do texto que está dividido em três partes. Na primeira parte ouviu-se a voz da Amazônia à luz da fé (ver), na segunda parte se apresentam os esforços para responder ao clamor do povo e do território amazônico por uma ecologia integral (julgar) e na terceira parte são apresentados os desafios no horizonte dos novos caminhos para uma Igreja profética na Amazônia (agir).
O Instrumentum Laboris ao mesmo tempo que recolhe as vozes que já foram ouvidas, retorna às bases para novas reflexões e novas escutas. Seguindo a metodologia participativa do processo sinodal, nesta segunda fase, os representantes do conselho sinodal realizarão diversos estudos de aprofundamento das questões orientadoras apresentadas no documento de trabalho.
Os estudos têm a finalidade de preparar novos aportes para contribuir com a elaboração do documento final. Neste processo de novas escutas e sistematizações, os comitês locais e regionais da Repam (Rede Eclesial Pan-Amazônica) têm um papel importante de articulação e animação das comunidades locais e dos diversos grupos de reflexão para continuar o processo de participação nas discussões e nas tomadas de decisões.
Conforme pontua o documento em seu parágrafo 02: “hoje a Igreja tem novamente a oportunidade de ser ouvinte nessa região, onde há muito em jogo. A escuta implica o reconhecimento da irrupção da Amazônia como um novo sujeito. Este novo sujeito, que não foi considerado suficientemente no contexto nacional ou mundial, nem sequer na vida da Igreja, agora constitui um interlocutor privilegiado”.
No parágrafo 03 reconhece que “a escuta não é nada fácil. Por um lado, a síntese das respostas ao questionário por parte das Conferências Episcopais e das comunidades será sempre incompleta e insuficiente. Por outro, a tendência a homologar os conteúdos e as propostas requer um processo de conversão ecológica e pastoral para deixar-se interpelar seriamente pelas periferias geográficas e existenciais”
A dinâmica de escuta e diálogo experimentada em todo processo sinodal “deve continuar, durante e depois do Sínodo, como um elemento central da vida futura da Igreja. A Amazônia clama por uma resposta concreta e reconciliadora”. Ressalta do documento.
No parágrafo 05 conclui que “a escuta dos povos e da terra por parte de uma Igreja chamada a ser cada vez mais sinodal, começa entrando em contato com a realidade contrastante de uma Amazônia repleta de vida e sabedoria. Continua com o clamor provocado pelo desmatamento e pela destruição do extrativismo comercial”.
É claro que o Instrumentum Laroris não conseguiu contemplar todas as propostas levantadas nas escutas sinodais. Pelo volume de informações, seria impossível resumir tudo em um único documento. Bem por isso, muitas das questões levantadas pelas comunidades, pelas bases, estão todas reunidas em um documento que a REPAM está chamando de ‘Dossiê da Igreja na Pan-Amazônia’ que reúne todos os clamores, sonhos e esperanças dos povos da Amazônia. Logo mais o dossiê estará disponível para leitura e consulta para orientar a caminhada da Igreja, os planos pastorais, as possibilidades de planejamento e de incidência pastoral em toda Pan-Amazônia.
O Instrumentum Laboris será disponibilizado por meio impresso e já se encontra também disponível na internet para ser lido, divulgado, estudado, analisado e complementado com fundamentos para a escrita do documento final do sínodo.
Por fim, o Instrumentum Laboris é um documento mártir que precisará morrer para dar vida à exortação apostólica. É como se fosse uma semente depositada no chão da Amazônia que precisa morrer, deixar-se Amazonizar, para renascer nos horizontes da Ecologia Integral.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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