Por Michelle Portela, especial para o ATUAL
MANAUS – “É preciso ler o mundo e tudo ao nosso redor é ciência. Nós só temos de saber ler”, diz o professor Nélio Sasaki, doutor em Astrofísica, diretor dos planetários digitais de Manaus e Parintins, professor adjunto da UEA (Universidade do Estado do Amazonas) e coordenador do Nepa (Núcleo de Ensino e Pesquisa em Astronomia). A sede do Nepa é em Parintins, cidade do Amazonas famosa pela rivalidade entre duas grandes agremiações folclóricas: Garantido e Caprichoso.
Dentro desta perspectiva que o Grupo de Pesquisa Nepa, certificado pelo CNPq, desenvolve projetos no ensino de Astronomia. A referência é Paulo Freire, o pensador brasileiro mais citado mundialmente em trabalhos científicos em educação. Segundo Sasaki, a Astronomia é por excelência uma ciência plural, ou seja, formada por diversos pontos de vista. E a proposta Freireana permite usar a Astronomia para levar aos mais diversificados povos a ciência, tecnologia e inovação.
A astronomia indígena tem suas peculiaridades, a astronomia afro-brasileira já apresenta outro olhar, e assim por diante. O Nepa possui projetos financiados pela União Astronômica Internacional (IAU/OAD). Em 2019, a IAU completa 100 anos de fundação.
O projeto ‘Astronomia Indígena’ é usado para reconstrução de valores dos povos indígenas do Baixo Amazonas (Sateré-Mawé e Hixkaryana). As bolsistas são indígenas e elas mesmas elaboraram cartilhas sobre astronomia indígena editadas na língua materna. Os projetos serão expandidos para escolas da microrregião de Paritins (Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Maués, Nhamundá, Parintins, São Sebastião do Uatumã e Urucará, além da capital Manaus).
“Certamente que a logística é um grande desafio, afinal, para chegarmos aos municípios da microrregião de Parintins as opções são os barcos. Desta maneira, o trabalho é um pouco lento, mas nos esforçamos para atender a todas as escolas”, disse Nélio Sasaki.
“O Nepa também oferece suporte virtual, através de videoconferências às escolas do interior amazonense. Como todo grupo de pesquisa, o Nepa é composto por 15 pesquisadoras bolsistas e usamos os mais diversos recursos, entre eles planetários (são dois, um está em Parintins e outro em Manaus); telescópios; oficinas; e cursos de formação”, acrescenta.
Além de Paulo Freire, a miscigenação cultural inspirou o projeto do professor engajado em tornar a astronomia uma referência em educação e inclusão na Região Norte. Por efeito, dar a estudantes parintinenses a certeza de que possuem um lugar no universo.
Ainda em 2012, Sasaki implantou o Nepa na universidade à qual ingressara para após o seu curso de doutoramento no Brasil para ser professor e pesquisador. Lá criou o primeiro projeto de Planetário Digital da Região Norte do Brasil, com unidades em Parintins e Manaus.
“Nossa meta é conduzir o ensino de astronomia para ajudar professores a atender melhor seus alunos. Muitos livros e materiais didáticos apresentam erros conceituais sobre o tema. Nossa meta é levar às escolas uma astronomia ensinada conceitualmente correta”, explica Sasaki.
Sasaki usa o estudo os astros para envolver alunos indígenas, de comunidades periféricas, negros e também crianças com Síndrome de Down e surdas a ler o céu e projetar seus sonhos. Assim, pretende estimular a amizade e a solidariedade entre pessoas que convivem numa cidade onde a educação artística já é tradição.
“Atualmente, os jovens indígenas estão migrando para a cidade e perdendo o contato com mitos e lendas do seu povo. Os livros não nos ensinam astronomia indígena e muitos valores daquele povo caem no esquecimento”, explica o professor.
Para combater este abandono cultural, ele e sua equipe de 47 pessoas, entre alunos e colaboradores, dos quais 36 são mulheres, estão desenvolvendo cartilhas sobre astronomia indígena, com aporte financeiro da própria UEA e da União Astronômica Internacional (IAU/OAD.
“As mulheres são prioridade na nossa equipe. Inclusive, temos muitas mulheres indígenas no grupo e estamos revitalizando as línguas Sateré-Mawé e Hixkaryana, através das primeiras cartilhas – cuja temática é Astronomia – editadas em língua Sateré-Mawé”, ressalta Sasaki.
O grupo também articula apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ministério da Educação e do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) – grande apoiador do NEPA e cujo Ministro é o Astronauta Marcos Pontes – um incentivador da Ciência nacional, sobretudo da Astronomia e Astronáutica.
As parcerias também incentivaram a oferta de introdução à Astronomia na Educação Infantil. No Centro Educacional Infantil (CEI) Novo Horizonte, e no CEI Palmares, a ‘astropedagogia’ é usada para apresentar a Astronomia às crianças do maternal; na Escola Municipal Luz do Saber, o Nepa desenvolve projetos do ensino fundamental I e II até a EJA (Educação de Jovens e Adultos).
O Nepa propôs, através de edital, a implantação da OBAC (Olimpíada Brasileira de Astronomia Cultural) com a finalidade é levar para as escolas a leitura plural dos astros. A OBAC tem apoio do MCTIC. As inscrições começam em agosto.