Por Joelmir Tavares, da Folhapress
SÃO PAULO-SP – Tabata Amaral queria se candidatar, mas sem partido não podia. Cumprindo a lei, filiou-se ao PDT e se elegeu deputada federal por São Paulo. Na primeira votação importante, desobedeceu à ordem da legenda e marcou sim à reforma da Previdência. Foi acusada de infidelidade, acabou suspensa das funções partidárias em julho e ainda corre risco de expulsão.
Jair Bolsonaro se filiou ao PSL para disputar o Planalto e foi eleito, arrastando um batalhão de deputados e senadores. Após atritos, cogita agora sair da sigla, deixando uma incógnita sobre os mandatos dos parlamentares, que, por lei, devem ser fiéis ao partido.
Os dois episódios ressuscitaram o debate sobre a possibilidade de candidaturas avulsas, isto é, disputar eleição independentemente de estar associado a uma legenda – algo impossível hoje no Brasil. O STF (Supremo Tribunal Federal) marcou para 9 de dezembro uma audiência pública para discutir a proposta.
Assim como Tabata, outros 18 deputados infiéis, do PDT e do PSB, sofreram punições por terem descumprido o fechamento de questão (voto obrigatório) contra a Previdência.
Permitir as campanhas solo garantiria, na visão dos apoiadores do formato, autonomia aos políticos, livrando-os do jugo de líderes partidários. Mas traria uma série de consequências, lembram detratores. A primeira é óbvia: agremiações perderiam poder. Isso seria problemático porque o sistema eleitoral no país se baseia na lógica de partidos. Negociações no Legislativo e divisão de recursos públicos são feitas sob esse prisma.
Depois do caso dos dissidentes da reforma, um dos que primeiro resgataram a ideia das candidaturas independentes foi o idealizador do RenovaBR, Eduardo Mufarej. A escola para políticos fundada pelo empresário apoiou Tabata e saiu em defesa dela após as críticas da cúpula do PDT. “Temos 32 partidos registrados e, salvo honrosas exceções, muitos deles foram criados em cima da oportunidade de mercantilização de tempo de TV e da obtenção de financiamento, e não ancorados em pautas ou ideais”, diz.
O RenovaBR aposta na divulgação do tema para conseguir adesões. “O principal motivo para o assunto não avançar é que a maior parte da população não foi apresentada a essa possibilidade. Quem conhece a ideia, em geral, gosta dela”, anima-se Mufarej.
O MBL (Movimento Brasil Livre) também é simpático à proposta. Na Câmara dos Deputados, quatro projetos de lei que tentam implementar a mudança estão em tramitação, em ritmo lento. “Teríamos candidatos muito melhores se não fosse exigida a filiação”, afirma a deputada estadual Janaina Paschoal, outra entusiasta da pauta.
Ela concorreu pelo PSL, mas mantém distanciamento crítico em relação à agremiação. A discussão sobre campanhas avulsas, segundo a advogada e professora de direito, é o primeiro passo para revolucionar um sistema ultrapassado. “Criaria concorrência. Os partidos têm que perceber que não são tão necessários”.
Janaina promoveu em maio uma audiência pública sobre o tema na Assembleia Legislativa de São Paulo. Na ocasião, o procurador regional eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves contestou o modelo. Ele alertou para o risco de o número infinito de candidatos inviabilizar as campanhas e a votação.
Uma das alternativas para limitar a quantidade de postulantes seria exigir que o aspirante reunisse um número mínimo de assinaturas de eleitores em apoio à candidatura. Se provasse que exerce liderança e possui base, aí ele seria admitido na eleição. “Se houvesse candidaturas independentes, esse episódio (dos rebeldes da Previdência) simplesmente não existiria, porque os caciques não deteriam a possibilidade de coação dos parlamentares”, diz Rodrigo Mezzomo, autor do processo que chegou ao STF e motivou o agendamento da audiência pública na corte.
Precursor da causa, o advogado do Rio ousou se inscrever para disputar a Prefeitura do Rio em 2016 mesmo sem estar filiado a partido. Foi barrado e entrou com sucessivos recursos até chegar ao Supremo.
Defensores do modelo consideram que dificilmente a nova configuração vai vigorar já para as eleições de 2020, mas nutrem a esperança de ver algo em 2022. Por ora, a Justiça Eleitoral está de portas fechadas para essa inovação.
Consultado pela Folha, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) afirmou: “A questão das candidaturas avulsas envolve uma ampla reforma do sistema político e constitucional, uma vez que o modelo adotado no Brasil é fundamentado nos partidos políticos”.