Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – A juíza Raffaela Cássia de Sousa, da Justiça Federal do Amazonas, deu 30 dias para que indígenas de Silves (município a 181 quilômetros de Manaus) comprovem a exata delimitação da área ocupada por eles e a distância do Campo do Azulão, onde a Eneva explora o gás natural, para a comunidade indígena. O objetivo é saber se o empreendimento gera impacto em área indígena.
A ordem foi proferida em audiência de conciliação realizada na quinta-feira (20) em Manaus com representantes de órgãos ambientais para discutir sobre o imbróglio envolvendo a exploração de poços de petróleo e gás natural no Campo do Azulão. As licenças para exploração na Bacia do Amazonas foram expedidas pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas).
“Concedo o prazo de 30 (trinta) dias corridos à Funai e às autoras Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural – ASPAC e Jonas Reis de Castro [cacique] para que juntem aos autos documentos referentes a exata delimitação da área ocupada pela comunidade indígena, bem como a distância do empreendimento para a comunidade”, diz trecho da decisão.
O Campo de Azulão foi descoberto na década de 1990 pela Petrobrás, mas nunca produziu. Em 2017, a Eneva comprou os direitos de explorar e produzir o gás natural no local e, em 2021, iniciou a produção. Atualmente, o produto abastece uma usina termelétrica responsável por gerar energia para 70% do estado de Roraima.
Quase dois anos após o início da produção, a Aspac (Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural), que representa uma comunidade multiétnica formada por indígenas Mura, Mudurucu e Saterê-Mauê em Silves, foi à Justiça para suspender as licenças. A entidade alega que os indígenas não foram consultados e que o licenciamento deveria ter sido feito pelo Ibama.
No dia 26 de maio, a juíza Mara Elisa Andrade, da Justiça Federal do Amazonas, suspendeu nove licenças, incluindo as que autorizavam a exploração do gás natural, que está em plena atividade. No dia 30, o desembargador Marcos Augusto de Souza, do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília, derrubou a íntegra a decisão contra a Eneva.
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Na audiência de conciliação realizada na semana passada, o cacique Jonas Reis, representante da associação, afirmou que há 60 anos cerca de 96 famílias indígenas moram em área que fica a aproximadamente quatrocentos metros do Campo do Azulão. Reis afirmou, ainda, que houve pedido de reivindicação da delimitação da área há mais de dez anos.
De acordo com o cacique, não houve prévia consulta da Eneva à comunidade indígena quanto à instalação do empreendimento. Através da ação judicial, os indígenas querem que seja feito o estudo do componente indígena, isto é, avaliação sobre o impacto do Campo do Azulão na área indígena da região.
Representantes da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) alegaram que a fundação não foi consultada pelo Ipaam sobre a necessidade de realizar estudos de impacto em comunidades indígenas da região. Eles pediram informações ao órgão estadual e ao Ibama sobre o licenciamento no Campo do Azulão e também reivindicaram participação no processo.
De acordo com a Funai, apenas o Ibama respondeu. As informações enviadas pelo instituto foram encaminhadas para a Diretoria de Proteção Territorial da fundação para “fins de análise técnica cartográfica sobre a questão do distanciamento da área onde estão os povos indígenas até o empreendimento”. Até o momento, não houve parecer técnico conclusivo.
A Eneva sustentou que os estudos ambientais sobre a exploração de gás natural em Silves levaram em conta dados oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísica), Funai e Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), “não apontando a existência de comunidades indígenas na área do empreendimento”.
Ainda de acordo com a empresa, ainda que houvesse a presença de indígenas na região, as comunidades não estariam na área de influência direta do empreendimento. A empresa alegou que os estudos apontam que as comunidades mais próximas do Campo do Azulão estão distantes cerca de 40 quilômetros.
O Ipaam defendeu que não era necessário a realização de estudo de componente indígena, pois, segundo representantes do instituto, já há estudos cartográficos do próprio Ipaam que “comprovaram que não haveria comunidade indígenas próximas ao empreendimento”. O instituto se comprometeu a entregar toda a documentação referente ao licenciamento.
Os advogados da Aspac afirmaram que os estudos usados pela Eneva para verificar a existência de comunidades indígenas na região “podem estar defasados, visto que só se observou dados técnicos realizados pelos órgãos, mas não houve um estudo in loco para averiguar as reais circunstâncias da localização”.
Ibama
A associação também reforçou que o licenciamento deve ser feito pelo Ibama porque o impacto da exploração compromete o Aquífero Alter do Chão, que se estende por três estados (Amazonas, Pará e Amapá), em caso de eventual contaminação. Além disso, a empresa transporta o gás natural para o estado de Roraima.
O Ibama, no entanto, afirma que não é o responsável por fazer o licenciamento ambiental do empreendimento porque não há “sobreposição de terras indígenas, segundo dados apurados da Coordenação Regional do Ibama e da Base Nacional de Terras Indígenas”.