Do ATUAL
MANAUS – O Movimento Indígena e Indigenista do Amazonas divulgou nota em que manifesta extrema preocupação com a redistribuição de inquéritos policiais que apuram casos graves sobre crimes com motivações ambientais e de direitos humanos no Estado.
As organizações indígenas suspeitam de “possível interferência política” e citam a transferência dos inquéritos em tramite em Brasília para a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas e a retirada do delegado e sua equipe do comando das investigações que apuram o assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira.
Também incluem o massacre do Rio Abacaxis, em agosto de 2020, e o assassinato do servidor da Funai, Maxciel Pereira, em agosto de 2019. “Sem despacho fundamentado e sem nenhuma motivação expressa, [a redistribuição] lança sombras sobre o real motivo destas mudanças”, alegam as entidades.
As organizações cobram revisão das decisões pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Na avaliação das organizações uma “eventual omissão [do MJSP] pode causar o fortalecimento do crime organizado na região”.
“A interferência penaliza a boa polícia, mantém a impunidade e provoca injustiça às vítimas dos crimes bárbaros, que violam abertamente direitos humanos, argumentam as entidades no documento”, alegam as entidades. Confira a nota na íntegra.
NOTA PÚBLICA
O Movimento Indígena e Indigenista do Amazonas e demais organizações da sociedade civil, que subscrevem a presente nota, vêm a público manifestar extrema preocupação com a redistribuição de Inquéritos Policiais que apuram a elucidação de casos graves e relevantes ocorridos com motivações ambientais e de Direitos Humanos no Estado do Amazonas.
A transferência dos inquéritos que tramitavam em Brasília para a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas e a retirada do Delegado Francisco Vicente Badenes Júnior, bem como de sua equipe, do comando das investigações que apuram as circunstâncias do assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira (ocorridas em 5 de junho de 2022); o Massacre praticado contra ribeirinhos e indígenas entre o Rio Abacaxis e Mari-Mari (iniciado em 03 de agosto de 2020) ; e o assassinato do servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Maxciel Pereira dos Santos (perpetrado em 3 de agosto de 2019), sem despacho fundamentado e sem nenhuma motivação expressa, lança sombras sobre o real motivo destas mudanças, e faz crer na possível interferência política nessa conjuntura.
Os casos aqui expostos envolvem altas autoridades do Estado do Amazonas, merecendo a mais urgente manifestação e revisão por parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), sob pena de que eventual omissão provoque o fortalecimento do crime organizado na região. Tal interferência penaliza a boa polícia, mantém a impunidade e provoca injustiça às vítimas dos crimes bárbaros, que violam abertamente direitos humanos, aos quais o Brasil se comprometeu a proteger, tanto na Constituição Federal quanto pelos tratados internacionais assinados pelo país.
Entendemos que a investigação da morte do indigenista Maxciel, servidor da Funai assassinado por sua atuação profissional aguerrida, teve avanço significativo após a nomeação do Delegado Francisco Badenes. À frente do caso, o delegado atuou de forma comprometida, incansável e técnica, mesmo com todas as dificuldades inerentes ao caso. O mesmo se pode dizer em relação à condução das investigações dos homicídios de Bruno e Dom.
No caso da investigação do Massacre do Rio Abacaxis, desde o ocorrido, tem havido troca constante de delegados, sendo Badenes Júnior o sexto a atuar no caso. No entanto, foi justamente sob a coordenação dele que se verificaram avanços nas investigações – culminando no indiciamento de dois dos altos comandantes da Segurança Pública do Amazonas, apontados como responsáveis pelas ordens ilegais que resultaram em crimes bárbaros de violação dos direitos humanos – tais como homicídios por execuções sumárias, desaparecimento forçado e tortura.
Registre-se que já se verifica, com a redistribuição desses inquéritos, complexos e volumosos, paralisação das investigações que estavam em curso, favorecendo unicamente a impunidade que continua a massacrar as vítimas e seus familiares até os dias atuais.
Neste momento de angústia e incerteza, reiteramos a importância de um olhar diferenciado sobre o tema. Requeremos, publicamente, que o Ministério da Justiça e Segurança Pública promova a revisão da decisão tomada. Entendemos como fundamental que se assegure a manutenção dos inquéritos em Brasília e o retorno do delegado Badenes Júnior à frente das investigações, junto com sua equipe, e que lhe seja concedida toda a estrutura possível para finalizar os casos e enviá-los para o processamento e julgamento pela Justiça. Em nome da idoneidade do processo investigatório, avaliamos que a continuidade do delegado natural do caso é fundamental para a imparcialidade, a independência, efetividade e eficácia das investigações criminais, assegurando que o trabalho seja realizado de forma contínua e transparente.
Registramos que temos confiança nas ações e medidas dos bons agentes da lei do Estado brasileiro e vemos sua ação como barreira que separa nossa sociedade da barbárie – inclusive no que se refere à coerção de maus agentes públicos que, infiltrados no Estado, valham-se dele para violar direitos humanos.
Seguiremos acompanhando atentamente as investigações em curso e cobrando que todos os esforços sejam empreendidos pelas autoridades competentes a fim de combater as organizações criminosas que atuam na região Amazônica, com o objetivo de alcançar a responsabilização e justiça para os seres humanos, vítimas e familiares nos crimes investigados.
Amazonas, 26 de setembro de 2024
Assinam a Nota:
União dos Povos Indígenas do Vale do Javari -Univaja
Coletivo pelos Povos do Abacaxis
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Comissão Pastoral da Terra – CPT/Amazonas
Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígena – FAMDDI
Grupo de Pesquisa Dabukuri – Planejamento e Gestão do Território na Amazônia – Universidade Federal Do Amazonas (UFAM)
Coletivo Militância Jurídica
Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental (Clínica DHDA) da Universidade do Estado do Amazonas – UEA
Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH)
Rede Eclesial Panamazônica – REPAM-BrasilObservatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia – ODSDHAM/UFAM