Da Redação, com informações da Fiocruz
MANAUS – Um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz registrou, em imagens, o passo a passo do processo de infecção causado pelo coronavírus (Sars-CoV-2) em células Vero – oriundas de rim de macaco e largamente usadas em estudos para compreender a biologia do patógeno e desenvolver terapias.
Publicado na revista Viruses, o trabalho mostra como o vírus invade a célula, identifica os compartimentos onde ocorrem importantes etapas da replicação viral e flagra o momento de liberação das novas partículas virais, capazes de infectar outras células. As fotos e vídeos também registram detalhes das alterações provocadas pelo coronavírus na estrutura celular, que favorecem o processo infeccioso, muitas vezes, causando prejuízos para as funções celulares.
O modelo tridimensional mostra as estruturas envolvidas no processo de infecção pelo Sars-CoV-2. Partículas virais [em azul] são vistas aderidas à membrana celular [em verde]. Dentro da célula, cópias do genoma viral são produzidas no interior de vesículas de dupla membrana [em vermelho].
A síntese das novas partículas virais é concluída em vesículas intermediárias [em roxo], que, posteriormente, se deslocam e se fundem com a membrana da célula, liberando partículas virais que constituem a ‘prole’ do vírus para infectar outros alvos. Em vídeo, confira a construção do modelo 3D a partir das imagens de microscopia eletrônica.
A líder do estudo e pesquisadora do Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral do Instituto Oswaldo Cruz, Débora Vieira, afirma que o trabalho consolida conhecimentos importantes sobre o processo de infecção e pode contribuir para o desenvolvimento de novas terapias. “Precisamos de modelos in vitro bem caracterizados para desenvolver fármacos que atuem em diferentes etapas do ciclo viral”, disse a cientista.
Ciclo de infecção
Inimigo nanométrico: após medir mais de 600 partículas virais, os cientistas confirmaram que o coronavírus apresenta um diâmetro médio de 76 nanômetros. À esquerda, imagem tridimensional, produzida por microscopia eletrônica de varredura, mostra dezenas de partículas virais aderidas à superfície celular [algumas estão indicadas por setas]. À direita, um vírus aderido à membrana externa da célula.
A imagem produzida através de microscopia eletrônica de transmissão mostra um plano de corte da imagem. É possível observar as espículas, que motivam o nome do coronavírus, por causa da aparência de uma coroa.
Invasão da célula: as imagens mostram o momento em que as partículas virais aderidas à superfície celular são envolvidas pela membrana da célula e levadas para dentro da célula, onde poderão se replicar. Esse processo é chamado de endocitose. À esquerda, na imagem tridimensional da microscopia eletrônica de varredura, as setas destacam algumas partículas virais que começam a ser envolvidas pela membrana celular.
À direita, na imagem de microscopia eletrônica de transmissão, é possível ver a vesícula formada pelo dobramento da membrana celular, com partículas virais sendo internalizadas [indicadas por setas].
Sistema de entrega e “surfe viral”: o coronavírus induz as células infectadas a emitirem prolongamentos de membrana, chamados de filopódios, que podem ser usados para ampliar a infecção de três diferentes formas.
“Como o filopódio de uma célula toca na outra, a partícula viral que está aderida ao filopódio é levada até a célula vizinha, criando um tipo de sistema de entrega de vírus”, explica Débora. Ao se conectar ao filopódio, o coronavírus induz um movimento de deslocamento rápido em direção ao corpo da célula, conhecido como ‘surfe viral’.
“É como se ele ativasse um trilho, acelerando a sua chegada ao corpo da célula. Outros vírus, como Sars, Ebola e Marburg, também usam o mesmo mecanismo”, explicou a pesquisadora. Por fim, existe a possibilidade de o filopódio retrair, puxando o coronavírus para dentro da célula.
Na imagem produzida por microscopia eletrônica de varredura e colorida para facilitar a visualização, as partículas virais estão em azul. As células aparecem em verde e alguns filopódios são apontados por pontas de seta. A seta vermelha indica um filopódio que alcança a célula vizinha.
Alterações celulares: a imagem 1 mostra uma célula com diversos núcleos (N), também chamada de sincício, que é formada pela fusão de células, evidenciando a perda da arquitetura celular básica. As gotas lipídicas (LD), que aparecem na imagem 2, são acúmulos de gordura e podem constituir reservas energéticas necessárias para o processo de replicação viral. As mitocôndrias, que produzem energia para o funcionamento celular, aparecem espessadas e com vacúolos, como mostram as setas na imagem 3, o que sinaliza a degeneração dessas organelas.
Já a aparência escura da área destacada na imagem 4 indica intensa atividade dos ribossomos. Essas organelas são responsáveis pela síntese de material genético e de proteínas e, durante a infecção, são direcionadas para produção das cópias virais. “Vemos que a célula fica totalmente ativada e orientada para a produção da progênie viral. Ao longo do tempo, acontece um desgaste que leva à morte celular”, diz Débora.
Compartimentos da replicação: dois compartimentos importantes para a replicação viral são flagrados nas imagens produzidas por microscopia eletrônica. No alto, há a vesícula de dupla membrana (DMV) e, dentro dela, há presença de material elétron-denso [asterisco] e filamentos semelhantes a RNA [setas amarelas] indicando a atividade de replicação do genoma em curso.
Derivada da organela celular chamada de retículo endoplasmático rugoso (RER), a vesícula de dupla membrana constitui o principal local de replicação do coronavírus. Ao lado dela, aparece a vesícula intermediária (IV), onde é possível ver algumas partículas virais já formadas, apontadas por setas pretas.
Acesse o vídeo, para ver o modelo tridimensional, que mostra a interação entre a vesícula de dupla membrana [DMV, em vermelho] e a vesícula intermediária [IV, em roxo]. Através de um processo chamado de brotamento, as partículas virais replicadas [em azul] atravessam da vesícula de dupla membrana para a vesícula intermediária, que conduzirá a progênie viral para fora da célula.
Liberação dos vírus: a imagem mostra o momento exato em que as partículas virais replicadas [algumas indicadas por setas] deixam a célula. O processo é chamado de exocitose. “As vesículas intermediárias, que contêm a progênie viral, migram para a periferia da célula e ocorre a exocitose. Assim, as partículas infecciosas são liberadas para o meio extracelular, onde poderão propagar a infecção”, explicou Débora.
Liderado pelo Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral do Instituto Oswaldo Cruz, o trabalho foi realizado em parceria com os laboratórios de Vírus Respiratórios e do Sarampo e de Imunofarmacologia do Instituto. A pesquisa também teve colaboração de pesquisadores do Núcleo de Laboratórios de Microscopia do Inmetro; do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz e da Universidade Federal do Rio de Janeiro.