Por Feifiane Ramos, do ATUAL
MANAUS – O preconceito ao boi-bumbá do Amazonas manifestado com deboche a manauara Isabelle Nogueira, 31 anos, pelo pagodeiro Rodriguinho no BBB 24, é um reflexo mais amplo do preconceito enraizado que permeia a relação do Brasil com as culturas regionais, afirma o antropólogo Ademir Ramos, professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas).
“O preconceito é marcado por ignorância. Na verdade, quando você chega no Sul e diz que é amazonense, a pessoa te chama de nortista porque ela não consegue estabelecer uma diferença regional entre Norte e Nordeste. Na cabeça deles, pelo preconceito, nós somos todos nordestinos. Isso é um preconceito muito forte. É uma estratégia de dominação e que se fundamenta nesse conceito”, afirma.
Cunhã-poranga do bumbá Garantido, Isabelle se tornou alvo de brothers no BBB 24 ao falar sobre o Festival de Parintins e dançar toada no reality. Identificada com a cultura do folclore amazonense, Isabelle expõe uma identidade regional típica, inclusive nos gestos e na linguagem.
Para Ademir Ramos, ela expressa um perfil marcante da identidade amazônica. “Então, ela tem outro perfil. Ela tem um perfil indígena, ela tem um perfil da linguagem, a nossa forma, a nossa comunicação, a nossa linguagem são diferentes. Nossos vícios de linguagem são diferentes do sul e do sudeste brasileiro”, explica.
Ademir explica que “tudo se torna muito mais grave” quando o Sul e Sudeste, e até mesmo o Centro-Oeste, exerce o papel de colonizadores em termos de Norte e Nordeste. Nessas regiões há uma grande descriminalização quando se fala em negros e indígenas.
“O Brasil, por exemplo, é marcado por uma dimensão continental e, sobretudo, a nossa cultura é plural, mas o processo de neocolonização é muito forte em relação à Amazônia, em relação ao Nordeste brasileiro. Isso consolida-se na questão do trabalho, da exploração do trabalho, da exploração da riqueza da Amazônia. Então, a concepção do Brasil dominante é tratar a Amazônia como quintal”, alerta Ademir.
O antropólogo diz que sim, existe o racimo e o racismo estrutural quando se fala em Norte e Nordeste e isso é está associado a uma política linguística e econômica e vai além de regionalismo ou de bairrismo. Segundo ele, Isabelle gera incompreensões e interpretações equivocadas que evidenciam uma ignorância cultural.
Isabelle já foi chamada também de “índia e indiona” no programa, mas rebateu o colega e disse que o termo era pejorativo e não representava a diversidade dos povos originários.
“O BBB é mix de exposição da vida privada, onde o privado é submetido às grandes marcas que regem o interesse da cultura de massa”, diz. Nesse contexto que Isabelle está, segundo ele, ela é “objeto” de preconceito.
Agente de informação
Questionado se o preconceito de alguns participantes do BBB 24 pode afetar a imagem do Festival de Parintins, Ademir diz que Isabelle, se mostrar o “talento” dentro do reality, pode passar por cima da descriminalização e preconceito e assim ser “agente” do festival dos bumbás para todo o Brasil.
“Se ela conseguir furar a bolha desse preconceito e mostrar seu talento, ela pode ser, inclusive, uma grande agente de comunicação e de informação da nossa diversidade cultural da Amazônia, no Brasil, pegando o boi-bumbá, o nosso Festival de Parintins, como referência de representação da imaginação da nossa cultura popular”, enfatiza.
Arte e cultura
Na última semana, o pagodeiro Rodriguinho, em conversa com colegas, disparou com ar de deboche que Isabelle só dançava e falava de boi-bumbá. A fala do brother foi rebatida pelos bois Caprichoso e Garantido e por amantes da cultura.
O Boi Garantido informou ao ATUAL, em nota, que as falas ditas principalmente pelo pagodeiro Rodriguinho mostra o “analfabetismo cultural sendo exposto em rede nacional.
“Nós fazemos o maior festival folclórico do mundo e exportamos arte, através de nossos artistas, para todo o canto do Brasil e do mundo mesmo. Essas falas só reproduzem aquilo que nós já sabemos, que falta conhecimento dos próprios brasileiros sobre cultura”, diz o Garantido na nota.
Nas redes sociais, o Boi Caprichoso divulgou: “É mais que festa! O Ffestival de Parintins é a expressão máxima de nossa cultura popular. #somosboibumba”.