O Fantástico do último domingo apresentou uma reportagem sobre a Dinamarca, o país considerado o menos corrupto do mundo desde 1995, quando foi criado o ranking internacional da corrupção. Mais do que comparar o nível social da Dinamarca com o do Brasil – apesar de a comparação ser inevitável –, a reportagem serve para a reflexão sobre o nosso comportamento.
O repórter mostra que no país considerado pela ONU como um dos mais felizes do mundo, graças ao seu desempenho econômico e social, as pessoas têm grande apreço pela honestidade. Três em cada quatro dinamarqueses confiam no seu compatriota, aponta um estudo de um pesquisador mostrado na reportagem.
O que mais chama a atenção, no entanto, é o nível social e a distribuição de renda no país. Um deputado que virou personagem da reportagem, ex-pedreiro, recebe salário equivalente a R$ 23 mil; um amigo dele, pedreiro, que continua na profissão, recebe um salário mensal equivalente a R$ 18 mil. Na Dinamarca, o entendimento é de que a boa distribuição de renda gera menos conflito social e menos violência. As pessoas ganham o suficiente para viver com dignidade.
Outro parâmetro para reflexão são as regalias dos políticos. O deputado federal Mattias Tesfaye, mostrado na reportagem, assim como todos os colegas de parlamento, tem direito a um cartão magnético que lhe dá direito a andar de graça de metrô, trem e ônibus, e a maioria vai para o trabalho de transporte público. O filho do parlamentar estuda em escola pública.
Os deputados federais na Dinamarca têm direito a R$ 2.800 para bancar reuniões e gastos com a equipe. A equipe é pequena. Cada grupo de quatro parlamentares compartilham uma secretária, dois acadêmicos e um estagiário, que ajudam a elaborar as propostas de leis. Não há funcionários exclusivos para deputados.
Aqui a comparação é inevitável com os parlamentares brasileiros. Cada deputado federal no Brasil tem direito a R$ 97 mil por mês para contratar até 25 funcionários, que são escolhidos pelos próprios políticos, sem qualquer exigência de qualificação.
Mas esse dinheiro não é o único que os deputados brasileiro – cujos salários são de R$ 33.763 – têm à disposição. Eles recebeu auxílio-moradia de R$ 4.253 ou apartamento de graça para morar; R$ 30.416,80 a R$ 45.240,67 por mês para gastar com alimentação, aluguel de veículo e escritório, divulgação do mandato, entre outras despesas; dois salários no primeiro e no último mês da legislatura como ajuda de custo; ressarcimento de gastos com médicos.
Esses benefícios dos deputados brasileiros somam R$ 168,6 mil por mês. Juntos, os 513 parlamentares que formam a Câmara custam, em média, R$ 86 milhões ao contribuinte todo mês. Ou R$ 1 bilhão por ano. Os dados são de levantamento do Congresso em Foco com base nos valores atualizados dos benefícios dos parlamentares na Câmara, em março de 2016.
A Dinamarca tem uma cultura antiga de transparência da gestão pública e cada centavo gasto pelas instituições públicas e pelos políticos podem ser acompanhados pela internet. Mas o que se deve destacar não é o comportamento dos políticos, porque eles são o reflexo do comportamento da sociedade. A honestidade apreendida na família e na escola é levada tão a sério que no início da reportagem do Fantástico o repórter mostra uma loja sem funcionários em que o cliente vai à prateleira, escolhe o produto e deixa o dinheiro no local indicado ou paga com o cartão de crédito ou com o celular.
Aqui no Brasil, neste segunda-feira, 1° de maio, um caminhão com carregamento de carne tombou em uma rodovia na região central de Minas Gerais, e a Polícia Rodoviária Federal prendeu em flagrante 25 pessoas por roubarem a mercadoria. Os saqueadores enchiam as malas e carrocerias de carros com quartos de boi. O que essa gente faria em uma loja sem funcionários como a da Dinamarca mostrada na reportagem?
Mas esse texto é apenas um convite à reflexão.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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