Por Isabella Pepe Razzolini e Giselle Soares, da Folhapress
SÃO PAULO – Um em cada quatro brasileiros na faixa etária entre 30 e 79 anos tem hipertensão, mostra o primeiro relatório global sobre a doença divulgado na última terça (19) pela OMS (Organização Mundial de Saúde), durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York (EUA).
São 50,7 milhões de pessoas vivendo com pressão alta. E, para que o país atinja a marca de 50% dos casos controlados, seria preciso que mais 8,4 milhões de pessoas recebessem um tratamento eficaz, segundo o relatório.
Os dados da OMS convergem com os resultados do Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia), que também indicou o avanço da doença no país nos últimos anos.
O inquérito mostrou ainda uma maior prevalência entre o sexo feminino, o que diferencia o país da tendência global de mais homens afetados.
Para a antropóloga Soraya Resende Fleischer, professora da UnB (Universidade de Brasília), a concentração maior entre as mulheres se relaciona a múltiplos aspectos da vida social, além dos fatores biomédicos.
O agravamento dos quadros de hipertensão, segundo a pesquisadora, tem relação direta com as maiores taxas de desemprego entre mulheres, principalmente as negras.
A baixa qualidade dos transportes, a ausência de escola integral para os filhos, o preço dos alimentos e a exposição à violência urbana e de gênero também influenciam.
Fleischer enfatiza a importância de ir além da prescrição de medicamentos e mudanças de hábitos.
Para ela, é essencial conhecer também os arranjos domésticos e o contexto de quem vive com hipertensão, o que inclui entender quem compra a comida e cozinha nas casas, bem como o papel dos alimentos e do exercício na história daquela pessoa.
O recente relatório da OMS mostra que o número de adultos hipertensos no mundo dobrou entre 1990 e 2019, passando de 650 milhões para 1,3 bilhão.
Globalmente, aumentar a taxa de pessoas com a doença sob controle para 50% evitaria 76 milhões de mortes até 2050, ainda de acordo com o documento.
Entre as dez maiores causas de mortalidade no mundo, cinco estão associadas à hipertensão não controlada: doença isquêmica coronariana, AVC, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes e doenças renais.
Além disso, a hipertensão aumenta o risco de descolamento de retina, infarto agudo do miocárdio e perdas de visão e audição.
O crescimento das taxas de sobrepeso e da obesidade são apontados como alguns dos fatores de risco para a alta prevalência da hipertensão. Mais da metade da população brasileira (56,8%) estava com excesso de peso no primeiro trimestre deste ano, uma alta de quase 10% em relação a igual período de 2022, segundo dados do Covitel 2023.
Para Gabriela de Paula Arrifano, biomédica e professora da UFPA (Universidade Federal do Pará), o processo de transição nutricional e econômica das últimas décadas pode ter relação direta com o aumento de casos de hipertensão, mas contaminantes ambientais também são um importante fator.
“Metais pesados e pesticidas estão relacionados ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares e altos níveis de estresse”, explica a pesquisadora.
A subnotificação dos casos ainda é um problema a ser enfrentado pelos profissionais de saúde. Arrifano pondera que o acesso médico nas regiões mais pobres do país é muito difícil em comparação com grandes centros urbanos.
Dados do Previne Brasil, programa criado na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e que mudou a forma de financiamento da atenção primária, mostram que mais de 80% dos municípios ainda não conseguem aferir a pressão arterial de 50% dos seus hipertensos, a cada seis meses.
A hipertensão arterial é frequentemente chamada de “assassina silenciosa” porque, muitas vezes, não apresenta sintomas perceptíveis. Segundo o relatório da OMS, a doença já causa mais de 10 milhões de mortes por ano.
O diagnóstico e o tratamento precoce e eficaz levam a melhores desfechos na saúde da população afetada. O relatório estima que, entre adultos de 30 a 79 anos no mundo, somente 54% tenham recebido o diagnóstico, 42% sejam tratados e 21% tenham a hipertensão controlada.