Dois dos homens mais poderosos de todos os tempos decidiram lucrar com uma guerra. O problema é que esse lucro afetava decisivamente milhares de crianças trabalhadoras e pobres. O curioso é que os pequenos tomaram uma atitude que adultos sensatos jamais ousariam: eles desafiaram os poderosos. O mais surpreendente é que as crianças não perderam.
Os poderosos eram Joseph Pulitzer, dono do New York Times World, e William Randolph Hearst, dono de vários jornais, incluindo o New York Journal. O prêmio jornalístico mais famoso e importante do mundo foi nomeado em homenagem ao primeiro magnata. Já o segundo simplesmente inspirou ‘Cidadão Kane’, considerado por muitos, o melhor filme já feito.
Com soberania suficiente para reduzir inimigos a pó e influenciar decisões nos três poderes dos Estados Unidos, há quem diga que os abonados foram capazes até de fabricar uma guerra para melhorar os negócios. No caso, levar os EUA a guerrear com a Espanha no processo de independência de Cuba, no final do século 19.
Segundo alguns historiadores, Hearst enviou o jornalista Richard Davis e o ilustrador Frederic Remington para Cuba com ordem de encontrarem histórias e imagens que ilustrassem a “guerra”. Já no local, Remington enviou um telegrama em que alertava Hearst para a não existência de qualquer conflito e pedia para regressar. A resposta de Hearst foi: “Fique aí, forneça as histórias e as imagens, eu forneço a guerra”. Algum tempo depois, a guerra de fato começou, após uma explosão misteriosa que fez o navio USS Maine afundar na baía de Havana.
A Guerra Hispano-Americana, iniciada em 25 de abril de 1898, incrementou fortemente as tiragens das publicações, mas, para o lamento dos interessados, acabou terminando pouco tempo depois, em 12 de agosto do mesmo ano. Pulitzer e Hearst entraram em acordo e decidiram aumentar o preço de seus jornais para recuperar as margens dos lucros geradas durante o conflito bélico.
A questão é que os marajás não pensaram nas crianças e na importância delas para os jornais. Conhecidos como “newsboys” ou “newsies”, eles eram filhos de famílias carentes, órfãos ou abandonados que obtinham algum dinheiro vendendo jornais. Os pequenos jornaleiros compravam por atacado as publicações e ganhavam ao vender a unidade por um preço com um pequeno adicional. Caso não conseguissem comercializar toda a quantidade adquirida, ficavam no prejuízo.
A atuação dos meninos gritando “Extra! Extra!” nas ruas e esquinas das cidades era essencial para o escoamento e circulação dos jornais. Os proprietários dos periódicos, porém, não lhes deram o devido reconhecimento. Os empresários recusaram os pedidos dos jornaleiros para que o valor de atacado de 100 exemplares voltasse a ser 50 centavos e não mais os 60 ou 70 centavos que passaram a ser cobrados.
Com a recusa, os meninos jornaleiros começaram a gritar suas próprias manchetes: “Não comprem o World e o New York Journal. Os jornaleiros estão em greve”.
Sabemos alguns detalhes do movimento das crianças graças aos outros jornais, que cobriram este evento improvável com indisfarçada alegria. Além de poderem retratar dois concorrentes como “canalhas sem coração fazendo fortunas ao explorar meninos de rua”, eles também se divertiam ao falar de jornaleiros com apelidos estranhos como “Barney amendoim”, “Bode Jimmy” e “Corcunda Maddox”.
Conforme os jornais da época, um grande exemplo de mobilização do movimento ocorreu quando uma assembleia, em um auditório, reuniu mais de cinco mil jornaleiros. O discurso mais aplaudido foi feito por “Piscadinha” (Kid Blink), que expressou a verdade inconveniente: “Estou tentando descobrir como 10 centavos por uma centena de jornais podem significar mais para um milionário do que para um vendedor de jornais”.
Pulitzer chegou a tentar contratar homens mais velhos para substituir os meninos em greve. Não deu certo. A população se sensibilizou e apoiou o movimento das crianças. Durante a greve, a circulação dos jornais caiu de 360 mil para 125 mil exemplares.
Era necessário ceder, mas os poderosos não queriam transparecer que haviam sido derrotados por meninos. A solução acabou sendo a não redução do preço, mas Pulitzer e Hearst se comprometendo a comprar de volta os jornais que os meninos não conseguissem vender – ou seja, o modelo de consignação que é até hoje utilizado inclusive no Brasil. A história da greve virou um filme musical da Disney em 1992, Newsies (no Brasil, “Extra! Extra!”).
Em nosso País, crianças pobres também foram utilizadas como força de trabalho na venda de jornais. Algumas delas usavam “truques” para vender naqueles dias em que consideravam as notícias fracas. Um dos principais era inventar uma notícia. De preferência usando o futebol – gritavam, por exemplo, que um craque estava indo para o arquirrival, que havia sido preso ou que fora vítima de um crime.
Uma curiosidade: no Sul-Sudeste, o ofício foi muito exercido por filhos de imigrantes italianos. Esses bambinos chamavam os jornais de “gazeta”. Logo, o termo “gazeteiro” passou a designar uma criança que estava na rua em vez de na escola.
Infelizmente, gente poderosa lucrando com “guerras” e crianças fora da escola ainda não são notícias inventadas. E ainda há muita gente explorada que vai viver e morrer sem nunca ser manchete de jornal.
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