Por Gustavo Côrtes, do Estadão Conteúdo
BRASÍLIA – O Ministério da Previdência Social protocolou, nesta quinta-feira (25), uma representação no MPF (Ministério Público Federal) contra decisões do CFM (Conselho Federal de Medicina) que dificultam a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a pessoas com deficiência.
Em julho, a pasta publicou uma portaria em que autorizou o acesso ao programa mediante atestado médico, sem a necessidade de perícia, desde que atendidos requisitos técnicos. O novo modelo foi batizado de ATESTMED.
A medida, no entanto, foi desautorizada pelo CFM em parecer emitido em abril deste ano. O documento diz que a medida é ilegal, compromete a “integridade profissional dos peritos médicos federais” e causa “prejuízo ao erário”. Já o Ministério afirma que houve redução das filas de requerentes, o aumento da celeridade na concessão do benefício e economia de mais de R$ 1 bilhão ao evitar o pagamento retroativo do BPC. Isso porque, quando um cidadão é autorizado a recebê-lo, tem o direito aos valores que seriam pagos desde a data do requerimento. Procurado, o CFM não se manifestou até a publicação desta reportagem.
De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), que analisou a política, “não há evidências de que, até o momento, a ampliação das possibilidades de requerimento no âmbito do ATESTMED tenha implicado aumento de irregularidades na concessão dos benefícios”.
Para o ministério, o CFM tomou a decisão por razões políticas, com o objetivo de atender aos interesses da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), que tentou, sem sucesso, embargar a dispensa de perícia na Justiça e tem feito denúncias nos conselhos regionais da categoria contra profissionais que seguem a orientação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “De maneira indevida, o CFM está praticando atos que protegem interesses corporativos da ANMP, às custas da população que enfrenta maior dificuldade para acessar benefícios previdenciários e assistenciais regularmente instituídos”. A ANMP também foi procurada, mas não se pronunciou.
A médica que assina o parecer, Rosylane Rocha, tem apoio de representantes da associação, cujo presidente, Francisco Cardoso, já publicou vídeos nas redes sociais em que pede voto nela para a eleição do CFM. Segundo a pasta, a entidade de peritos tem ligação com o governo de Jair Bolsonaro. No mandato do ex-presidente, a Subsecretaria de Perícia Médica Federal – hoje transformada em departamento – foi comandada por Karina Braido de Teive e Argolo, mulher do então presidente da ANMP, Luiz Carlos de Teive e Argolo.
Ela acabou deixando o cargo após a Comissão de Ética da Presidência da República abrir um processo por conflito de interesses a pedido da Controladoria-Geral da União (CGU).
O ATESTMED não é a única política estabelecida na gestão de Lula contra a qual o CFM se insurgiu. Uma resolução publicada pela entidade de classe em julho proibiu o atendimento de menores de 16 anos sem documento oficial com foto. Tal decisão vai na contramão de uma portaria do Ministério da Previdência Social que autorizou o atendimento desta parcela da população apenas mediante apresentação da certidão de nascimento.
Segundo a pasta, a medida visa facilitar o acesso do benefício à população vulnerável. “A medida se fez necessária porque, em muitos lugares do país, as crianças e adolescentes não possuem documento de identidade com foto, portando apenas a certidão de nascimento. Esse fato é ainda mais frequente em grupos hipossuficientes, justamente o público alvo do benefício assistencial de prestação continuada”, alega a pasta na representação entregue ao Ministério Público Federal.
Assim como no caso do ASTESTMED, a ANMP tem denunciado aos conselhos regionais de medicina os médicos que aceitam apenas a certidão de nascimento para realizar consultas. A prática, na visão do governo, é persecutória.