O dia 04 de outubro é dedicado a Francisco de Assis, considerado pela tradição cristã o Patrono da Ecologia Integral. Nasceu em Assis, na Itália em 1182, numa rica família de comerciantes. Na juventude renunciou à herança da família por entender que aquela riqueza custava o sangue e a vida dos operários. Questionou os valores e as práticas religiosas de seu tempo que não apresentavam coerência com os princípios da justiça. As desigualdades sociais e econômicas passaram a ser contestadas pelo jovem inconformado com a naturalização da pobreza.
Em seu tempo, Francisco chama a atenção para a ecologia como uma das questões centrais da convivência humana. Inaugura a ecologia integral definindo a erradicação da pobreza e da miséria como responsabilidade de todas as sociedades. Assume uma vida simples e austera e comprova, ainda no século XII, que é possível viver sem necessariamente ter que destruir outras vidas e a vida do planeta.
Mais do que em outros tempos, os princípios de Francisco de Assis são necessários num contexto de contradições e crises ambientais de enormes proporções. Muitos estudiosos retomaram a práxis de Francisco em grandes tratados teóricos sobre os limites da natureza e as contradições dos modelos de produção econômica que não levam em consideração o projeto da ecologia integral.
Em 1867, o socialista alemão, considerados um dos maiores teóricos da modernidade, Karl Marx, em sua obra ‘O Capital’ discorre exaustivamente sobre os limites e as contradições do sistema capitalista que não levam em consideração os limites do meio ambiente diante do enorme poder de exploração e destruição dos recursos naturais não renováveis, da contaminação e poluição do planeta. Critica o modo de vida capitalista baseado no consumismo e na economia desregrada resultando nas injustiças e desigualdades sociais, na concentração do lucro nas mãos de poucas pessoas e na miséria da grande maioria da sociedade que produz as riquezas, mas, não participa de seus benefícios.
Contemporâneo e companheiro teórico de Marx, em 1883, o filósofo social e político, Friedrich Engels, alertava a sociedade para o risco da exploração sem limites do meio ambiente afirmando em sua obra ‘A Dialética da Natureza’ que “não devemos vangloriar-nos demais com as vitórias humanas sobre a natureza, pois a cada uma destas vitórias, a natureza vinga-se às nossas custas”.
Diante da grave crise ambiental amplamente anunciada e denunciada nas últimas décadas, os princípios de Francisco de Assis emergem como desafios atuais, passados mais de 800 anos. A práxis de Francisco continua inspirando novas abordagens teóricas e muitas experiências de vida pautadas no consumo consciente, na justiça social e no respeito ao meio ambiente com todas as suas criaturas.
Em seu tempo, o pensamento e a práxis do jovem Francisco de Assis inspirou outros jovens que assumiram com ele a radicalidade da simplicidade e, ao mesmo tempo, a profundidade de um modo de vida não capitalista, capaz de conviver com harmonia com todos os seres e com o planeta. Essa práxis revolucionária inspirou também o Papa Francisco a escrever a Encíclica ‘Laudato Sì – sobre o cuidado da casa comum’. Lançada em 2015, a ‘Laudato Sì’ tem sido um dos textos mais lidos e exaustivamente debatido em diversos seguimentos da sociedade.
Na Encíclica ‘Laudato Sì’ o Papa Francisco retoma o legado de Francisco de Assis e os marcos orientadores da ecologia integral que implica numa vivência equilibrada com as dimensões econômica, social, ambiental, política e cultural. A integração dessas dimensões rompe com os paradigmas do modelo capitalista e inaugura uma nova experiência de vivência entre as pessoas e o meio ambiente numa tomada de consciência de que existe uma interligação direta e indireta na grande casa comum evocada pelo Papa Francisco como o planeta terra. Planeta este que precisa ser cuidado para garantia da vida sobre a terra. Para o filósofo brasileiro Leonardo Boff, “o destino da terra e da humanidade coincidem: ou nos salvamos juntos, ou sucumbimos juntos”.
Numa época marcada pelas guerras imperiais do Sec. XII, Francisco de Assis inclui na Ecologia Integral o apelo à cultura da paz. Convida a sociedade a transformar-se em “instrumentos de paz” que transcendem as barreiras das religiões e as fronteiras geopolíticas. Na atualidade, num contexto marcado por diversas guerras, inclusive aquelas não declaradas institucionalmente e que matam milhares de pessoas nas periferias das grandes cidades todos os dias, o apelo de Francisco continua vivo e atual. Para Francisco as guerras eram resultado do egoísmo humano e das injustiças sociais. Para lutar contra a guerra, Francisco soube unir a justiça para
com os pobres, o amor pela natureza, a paz interior e o empenho pela sociedade.
Hoje, a práxis de Francisco representa uma esperança de que é possível mudar o rumo das coisas mediante a grave crise ambiental, política, econômica, ética e moral pela qual passa toda sociedade. Seu legado nos anima a mudar nosso estilo de vida capitalista e a superar o modelo de desenvolvimento que não respeita os limites da natureza e não se incomoda com o sofrimento dos empobrecidos. Nessa perspectiva, Francisco de Assis nos convida a mudanças profundas baseadas na ecologia humana e integral. A responsabilidade é grande, pois, desta mudança depende o futuro das próximas gerações.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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