Por Paula Soprana, da Folhapress
SÃO PAULO – A atuação de feministas egípcias foi fundamental para chamar a atenção de autoridades locais para o caso do médico brasileiro preso no Egito por fazer uma ofensa sexual a uma vendedora.
Victor Sorrentino foi barrado antes de retornar ao Brasil no domingo, 30, após uma onda de publicações que marcavam os órgãos oficiais egípcios nas redes sociais. Nesta terça, o Ministério Público anunciou o pedido de prisão preventiva do brasileiro por quatro dias, enquanto aguarda as investigações.
Sorrentino foi interrogado por autoridades depois de uma viagem de alguns dias no Egito devido a um vídeo publicado em seu perfil no Instagram, plataforma na qual tem quase 1 milhão de seguidores.
Na gravação, realizada no último dia 24, ele diz em português a uma vendedora de papiros: “Vocês gostam mesmo é do bem duro, né? Comprido também fica legal, né?”. A mulher, sem entender as perguntas, apenas sorri e assente com a cabeça, enquanto o brasileiro gargalha com outro homem.
Após críticas, ele tornou o perfil na rede social privado e publicou post em que diz ser “muito brincalhão”. “Como vi que tu é uma pessoa risonha e estava brincando junto com a gente, acabei brincando”.
Com mais de 320 mil seguidores nas principais redes sociais, o movimento Speak Up, criado pela ativista Gehad Hamdy, 26, viralizou o assunto em língua árabe, e o tópico se tornou um dos mais comentados no Egito durante o final de semana. Em um país com histórico de violações de direitos humanos e censura e que vive sob um regime autoritário mesmo após a Primavera Árabe, em 2011, Hamdy considera positiva a recente cooperação que o grupo tem estabelecido com alguns órgãos do governo.
Ela soube da história de Sorrentino depois do contato de cerca de 20 brasileiras, que enviaram o vídeo com legendas em inglês e detalhes sobre o ocorrido. “Uma vez que estávamos 100% seguras, escrevemos posts com as informações e publicamos em todas as redes sociais, pedindo que as pessoas marcassem as organizações oficiais, prática que sempre fazemos. Muitos começaram a comentar, o vídeo viralizou, e ele [o brasileiro] foi detido em menos de 24 horas”, conta ela, que mora no Cairo, à Folha.
No Brasil, a história ganhou força por meio do ativista LGBT Antonio Isuperio, alertado sobre o conteúdo pelo amigo Fabio Iorio, que visitou a página de Sorrentino. O médico – defensor de hidroxicloroquina para o tratamento de Covid, remédio ineficaz para a doença – usa as redes para dicas de saúde e longevidade.
A dupla de brasileiros legendou os vídeos do momento do assédio e iniciou uma mobilização pelas redes sociais. “Estamos há quase dez dias sem dormir direito, só passando informações a milhares de mulheres que interagem com a gente, do Brasil e do Egito”, diz Isuperio, que mora em Nova York.
Ele entrou em contato com a fundadora do Speak Up, e, a partir de uma hashtag que significava “responsabilize o assediador brasileiro”, o caso ganhou rápida repercussão nacional, chegou às autoridades e foi amplamente noticiado pela imprensa local.
Um amigo da vítima, contatado pela reportagem, afirma que muitas publicações relacionadas a essa hashtag mostram o rosto da vendedora. Ele faz um apelo para que, ao compartilhar o registro, seja usada a versão em que a imagem da mulher é borrada, a fim de preservar sua identidade.
O Speak Up nasceu em julho de 2020 a partir de uma publicação de Hamdy, na qual ela refutava o argumento falso de que o assédio está relacionado à roupa utilizada pela vítima. A justificativa, segundo pesquisa da ONU de 2013, era usada por 73% dos homens acusados de assédio no Egito. No post, a ativista pedia que as pessoas compartilhassem histórias de abuso para mostrar que a tese está errada.
“Recebi mais de 8.000 mensagens em dois dias. A maior parte dizia se sentir melhor por contar as histórias, mas outras precisavam de ajuda psicológica ou jurídica”, conta Hamdy.
A ativista diz não ter enfrentado problemas com censura ou retaliação desde que criou a organização, e, segundo ela, as autoridades começaram a trabalhar com o grupo. “Órgãos oficiais têm nos contatado sobre casos de estupro, para prender acusados ou até reabrir as investigações”.
Nas redes, o movimento agradeceu às pessoas que se sensibilizaram com o vídeo da vendedora alvo das ofensas sexuais e também ao Ministério do Interior egípcio “por sua pronta resposta”. “O que aconteceu é um esforço coletivo, não individual, em diferentes partes do mundo. Parabéns a todos nós”.