Por Jullie Pereira, da Redação
MANAUS – Com a pandemia do coronavírus e o isolamento social, os professores foram obrigados a mudar a metodologia de ensino para ministrar aulas de casa nas redes sociais. No entanto, a falta de Internet e a instabilidade da rede dificultam o trabalho dos professores.
É o caso de Milena Nogueira, responsável por turmas de duas escolas públicas de Manaus na Escola Estadual Dr Isaac Sverner e na Escola Municipal Agenor Ferreira Lima, ambas na zona leste de Manaus. Ela leciona História há quatro anos. Com as mudanças, sua rotina e privacidade foram afetadas. Agora, precisa atender, além dos estudantes, os pais por mensagens em aplicativos.
“Como o contato com alunos e pais é via Internet, estamos recebendo demandas fora do nosso horário de trabalho, o que se torna cansativo ao longo do tempo. No meu caso específico, meu número de WhatsApp pessoal foi divulgado (sem minha autorização), e recebo mensagens em todos os horários e dias da semana”, disse.
As aulas dela são feitas por grupos no WhatApp e seguem o cronograma divulgado na TV. Segundo Milena, o aplicativo disponibilizado pelo governo não teve adesão entre suas turmas. “As aulas estão sendo feitas pelas redes sociais. O app é bem problemático, nem nós e nem os alunos conseguimos utilizar direito. Até porque o próprio acesso à Internet é um problema, muitos alunos não têm e muitos só têm planos de dados para usar as redes sociais. Usar outros apps, para eles, é mais difícil”, disse.
Milena Nogueira disse que se preocupa com a falta de acesso igualitário entre seus alunos e prevê que o esforço será maior quando as aulas voltarem a ser presenciais. “Sabemos que com o retorno das aulas presenciais teremos que retomar o conteúdo e fazer novas avaliações para aqueles que não conseguiram acompanhar em casa. Sabemos que as condições de acesso não são iguais, e manter as aulas neste formato acaba ferindo o princípio de universalidade do ensino público”, disse a professora.
No Parque das Tribos, comunidade de indígenas em Manaus na zona oeste da cidade, Elizete Ticuna, mãe de quatro crianças com idade entre 4 e 12 anos, enfrenta essa realidade. Sem televisão ou acesso à Internet, ela precisou continuar o ensino de seus filhos sozinha, com os livros que já tinha em casa.
“Aqui em casa, eu faço uma tarefinha com o manual (livro) mesmo porque não tem como fazer as tarefas da TV, porque eu não tenho TV aqui. Eu escrevo o que eu sei dos livros antigos, dos livros do meu filho, porque não tenho TV”, disse.
Antes da pandemia, os filhos frequentavam a escola pública Tereza Cordovio Guimarães. Elizete perdeu o contato com os professores depois que houve uma troca entre eles. “Dos dois mais grandes, os professores foram trocados. Os dois mais novos também mudaram de professores, aí não tenho contato com eles não. Antes, eu tinha o contato dos antigos professores, mas como mudaram eu não tenho o contato desses novos”, disse.
“Sinceramente? Eu não entendo nada”
Em Itacoatiara (a 270 quilômetros de Manaus), as dificuldades no acesso são ainda maiores e mesmo quem consegue receber as atividades, acha fácil entender os assuntos. “Eu recebo as atividades, avaliações e assuntos e tals. Eu até abro, leio, e até fiz as atividades, mas sinceramente? Eu não entendo nada”, disse a aluna Mariane Santana Peres, de 18 anos, que cursa o 3º ano do ensino médio em uma escola da rede estadual.
Itacoatiara está recebendo os conteúdo do projeto ‘Aula em casa’ através do Canal Amazon Sat, mas Mariane diz que não consegue acesso ao canal e também não possui uma rede Wifi em casa. “Eu não tenho Internet aqui em casa sabe, tipo, internet boa, um wi-fi… Uso dados móveis e é uma bosta. Fiquei sabendo das aulas que também são transmitida pela TV, mas eu não assisti, nem sei como encontrar o canal”, disse.
Mariane se inscreveu no Enem deste ano e ainda não sabe qual curso vai escolher. Sem conseguir absorver os assuntos, ela se preocupa com o resultado do exame, que foi confirmado pelo Governo Federal mesmo com as aulas suspensas em estados do país. “Eu fiz minha inscrição este ano, mas eu tô meio que perdida, não sei nem o que estudar pra fazer isso e eu não tenho nada, literalmente nada como apoio”, disse.
O professor Raul Nascimento, que ministra aulas há mais de dez anos, é responsável por cinco turmas na escola em que trabalha em Itacoatiara. Ele divulga as aulas por grupos no WhatsApp e, apesar das dificuldades, avalia que cerca de 70% dos seus alunos estão conseguindo aprender.
“Se tem dado certo (o ensino)? Suponho que sim. Temos dificuldades, pois nem todos tem TV ou um aparelho com Internet mais constante. Itacoatiara também não tem muitos provedores de Internet. Mas além das dificuldades, cerca de 70% estão se esforçando bastante”, disse.
Questionada sobre como a secretaria espera minimizar os impactos negativos no ensino dos alunos, e sobre as dificuldades que eles estão passando, a Seduc (Secretaria de Educação) não respondeu até o fechamento desta matéria.
No Amazonas, o projeto ‘Aula em casa’, implantado pela Seduc (Secretaria de Educação) pretende manter atualizado o currículo escolar.