A palavra mentira, segundo o dicionário Michaelis, é usada para expressar: 1 – ato ou efeito de mentir; cantiga, fraude, pomada; 2 – afirmação que se opõe à verdade; informação enganosa ou controvertida; enredo, moca; 3 – costume ou hábito de contar mentiras; 4 – aquilo que dá falsa ideia; 5 – o que ilude; 6 – opinião sem fundamento.
Entre os muitos destaques das eleições de 2018, os torpedos de fake news constituem os que mais geram preocupação. Mentiras fragilizam os processos democráticos porque as opiniões e escolhas baseadas em informações falsas são resultados de manipulação de pessoas, atentando contra a sua dignidade, e ademais conduzem a sociedade para cominhos grotescos e tempos estranhos, como diz o Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio.
A gravidade deste problema está em discussão no legislativo através da CPI das Fake News, que investiga: os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público; a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018; e a prática de cyberbullying sobre os usuários mais vulneráveis da rede de computadores, bem como sobre agentes públicos. As fake news também são objetos de inquérito realizado no poder judiciário, onde o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre Moraes conduz apuração dos fatos e infrações envolvendo a existência de notícias fraudulentas, denúncias caluniosas, ameaças e infrações, que atingem a honorabilidade e segurança do Supremo Tribunal Federal, membros e familiares.
Estas épocas de grande utilização de redes sociais nos expõem com mais intensidade a enganos e discursos falsos, sendo necessário colocar em prática uma regulação apropriada, a fim de proteger a privacidade, a vida social autêntica e a democracia. Assim, o legislativo está preparando um Projeto de Lei para ser votado neste ano. Trata-se do PL 2.630/2020, que busca combater notícias falsas em redes sociais.
Tais iniciativas inquietam políticos que se utilizam destas artimanhas, não somente para vencer eleições, mas também para manter a sociedade desinformada sobre os seus projetos e intenções. Grupos ligados ao presidente Bolsonaro têm demonstrado preocupação, uma vez que podem ser responsabilizados criminalmente por atuações ilegais em ambiente virtual. Estes grupos atuam para enfraquecer a CPI das Fake News, visto que os processos eleitorais que os elegeram podem ser anulados, levando-os a perderem os seus mandatos e serem surpreendidos por possíveis condenações judiciais.
O próprio presidente da república tem difundido mentiras e sido comumente taxado de mentiroso pelos principais meios de comunicação do país. A Organização Observatório do Clima, rede de 37 entidades da sociedade civil brasileira, detectou no último discurso do presidente Jair Bolsonaro na 75ª Assembleia Geral da ONU, um conjunto de mentiras sobre a questão ambiental no Brasil. Segundo esta Organização, “o Brasil deveria apresentar o que vai fazer para solucionar os problemas, não negar os problemas”.
Esta postura antiética do presidente é facilmente verificada na medida em que ele insiste que o seu governo está fazendo todo o possível para proteger o meio ambiente no Brasil. Ora, isso é uma falácia, pois segundo a Controladoria Geral da União (CGU), no combate à mudança climática foram investidos somente 13% da verba prevista, nas iniciativas da conservação da biodiversidade aplicou-se apenas 14% do orçado e na qualidade ambiental foram gastos tão-somente 6% dos recursos disponíveis, no ano de 2019.
Outra demonstração de que o governo de Jair Bolsonaro não tem interesse em proteger o meio ambiente diz respeito à anulação de normas de proteção dos manguezais e restingas, determinadas pela resolução 303/2002. Esta resolução estabelece a obrigação de preservação dos primeiros 300m da costa independe do grau de degradação da área. A restrição visa à proteção ambiental contra a erosão e o avanço das marés, mas o governo ignora este fator.
Na tentativa de ludibriar a população, o governo de plantão não assume as suas responsabilidades e lança a culpa dos problemas brasileiros sobre os governadores, a imprensa, o judiciário, as ONGs e a conspiração internacional. Até os caboclos e indígenas da Amazônia são responsabilizados pelas tragédias ambientais. Não são poucas as mentiras inventadas sobre o combate à pandemia, inclusive referente aos valores dos auxílios emergenciais repassados para as populações mais pobres.
Com tais falácias, o presidente busca confundir a opinião pública, almejando beneficiar-se do exercício do poder. No Brasil, a mentira se transformou em estratégia de governança. No entanto, o ditado reza que “a mentira tem pernas curtas”, indicando a iminente queda do governo. Há quem diga, inclusive, que o discurso de Bolsonaro na ONU é a prova de que o fracasso já subiu a cabeça.
A queda de numerosos ministros indica que o governo de Jair Bolsonaro está cada vez mais insustentável. Mesmo tendo sido expulso do quartel, Bolsonaro considera os militares o seu porto seguro, mas não há certeza se estes estão dispostos a dar apoio incondicional. Os sinais mais visíveis da queda serão os deslizes dos filhos do presidente. Estes, envolvidos com o crime de lavagem de dinheiro, caminham na corda bamba sendo salvos por amigos influentes, mas não se sabe até quando. Há indícios de que as esposas também fazem parte do esquema. Pelo jeito, o Brasil se tornou um negócio de família. O privado sequestrou o público.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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