Na manhã desta quarta-feira, 12 de fevereiro, foi lançada em Roma, no salão de Imprensa da Cidade do Vaticano a Exortação Pós-Sinodal ‘Querida Amazônia’ assinada pelo Papa Francisco. Resultado de um processo que durou cerca de dois anos de intenso trabalho, escuta, estudo, aprofundamento, contemplação e discernimento, o documento reúne praticamente todos os pontos elaborados e votados na Assembleia Sinodal que ocorreu em Roma em outubro do ano passado.
A sinodalidade (palavra latina que significa caminhar juntos/as) foi o fio condutor da Assembleia Sinodal e o caminho do discernimento sob a orientação do Papa Francisco, para escutar a realidade, discernir os possíveis caminhos a serem trilhados e promover ações que venham de encontro com as necessidades da região pensada a partir das particularidades de seu bioma, da diversidade sociocultural de seus povos e da posição estratégica que ela ocupa no planeta.
Um dos documentos do Papa mais comentado e especulado dos últimos tempos, ‘Querida Amazônia’ reconhece e confirma que o Sínodo para a Amazônia inaugura um novo tempo para a toda Igreja. Tempo do escutar, refletir e agir, pois “a Amazônia arde em chamas e já não pode mais esperar”, afirma o documento.
‘Querida Amazônia’ apresenta um diagnóstico preciso e completo dessa imensa região considerada uma das mais complexas, diversificadas e desafiadoras regiões do mundo, ameaçada pela cobiça e ganância de interesses internos e internacionais. Uma região com seus recursos hídricos, florestais e do subsolo, em permanente exploração desde a colonização, o que culmina com a destruição de povos, culturas e saberes ancestrais.
Didática e pedagogicamente organizada em quatro grandes eixos, ‘Querida Amazônia’ debate e propõe quatro sonhos na vida de toda Igreja:
– “Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida”.
– “Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a carateriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana”.
– “Sonho com uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas”.
– “Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazónicos”.
Estes quatro sonhos desafiam a um permanente exercício da sinodalidade, que é a dimensão de comunhão participativa de toda a Igreja. Juntamente com a doutora Ima Célia Guimarães Vieira, diretora do Museu Paraense Emilio Goeldi e com o professor Raimundo Possidônio Carrera da Mata da Faculdade Católica de Belém, tendo por referência estas reflexões e a nossa participação na Assembleia Sinodal, elaboramos um decálogo que denominamos “Os Dez Mandamentos do Sínodo para a Amazônia” representam um conjunto de propostas elaboradas a partir de nossa síntese dos conteúdos que se sobressaíram na Assembleia Sinodal e presentes em a ‘Querida Amazônia’:
1º Mandamento: Amazonizarás a Igreja de forma a acolher as culturas e tradições amazônicas como expressão do Espírito de Deus que conduz os povos e promove a vida;
2º Mandamento: Defenderás os direitos dos mais vulneráveis (e da natureza) e fortalecerás a luta em defesa da vida, da justiça e dos direitos humanos;
3º Mandamento: lembra-te que a Amazônia oferece gratuitamente ao povo Brasileiro, e a uma grande parte do planeta, o ciclo das águas com seus ‘rios voadores’ que espalham as chuvas, a fixação do carbono, a regulação do clima, a riqueza cultural da sociodiversidade de seus povos e a biodiversidade de seus recursos naturais;
4º Mandamento: Não pecarás contra as gerações futuras em atos e hábitos de contaminação e destruição do meio ambiente que se configura pecado ecológico, que compromete e impede o futuro sereno;
5º Mandamento: Buscarás mudanças radicais e urgentes em direção a um modelo de existência social e de relação com a natureza que permita salvar a Amazônia, garantir o Bem Viver e a convivência com o Bioma reconhecendo que “tudo está interligado nesta casa comum”;
6º Mandamento: Reconhecerás com admiração e protegerás aqueles e aquelas que lutam, com grande risco de suas próprias vidas, para defender o território e o povo amazônico;
7º Mandamento: Assumirás o diálogo ecumênico, inter-religioso e intercultural como o caminho irrevogável da evangelização na Amazônia.
8º Mandamento: Fortalecerás e renovarás os Ministérios Leigos, a Vida Consagrada, o presbiterato e o diaconato, com identidade amazônica, fortalecendo as vocações autóctones e priorizando uma missão pautada numa presença constante, numa escuta atenta e no compromisso com a libertação;
9º Mandamento: Ouvirás as vozes das mulheres para tomar decisões e contribuir com sua sensibilidade à sinodalidade eclesial reconhecendo e valorizando o seu protagonismo no cuidado com a Casa Comum;
10º Mandamento: Viverás uma igreja em saída, pautada na sinodalidade, comprometida com a defesa da vida na Amazônia e para a Amazônia.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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