MANAUS – Um levantamento feito pela empresa Macedo de Castro Consultoria Educacional, com sede no Pará, a partir de dados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), mostra o Estado do Amazonas em penúltimo lugar, atrás apenas do Amapá, no ranking da média das escolas públicas estaduais. O levantamento compara as notas médias de todas as escolas da rede pública estadual do País e apresenta a média por estado. Na cabeça, aparece o Estado de São Paulo, com média 498,21 e em último, o Amapá, com média 446,46. A média do Amazonas é 451,06, bem abaixo da média nacional, que ficou em 479,28 (ver tabela abaixo).
O autor do levantamento, George de Castro, 36, está em Manaus, e concedeu entrevista ao AMAZONAS ATUAL, nesta sexta-feira. Ele veio ao Amazonas visitar escolas particulares para quem a empresa Macedo e Castro presta consultoria, mas aproveitou a passagem por Manaus para visitar a Seduc (Secretaria de Estado da Educação) e a comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE) para apresentar o estudo. Em reunião na Gestão de Ensino Médio da Seduc, Castro se dispôs a colaborar, de forma voluntária, com a secretaria. “A pessoa com quem eu conversei até estranhou porque, segundo ela, sempre que uma empresa de consultoria procura a Seduc é para oferecer produto”, disse.
Outro dado preocupante sobre o Amazonas, observado pelo consultor George de Castro, é a média das notas do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) referentes ao ensino médio no Amazonas. Apesar de figurar acima das metas estabelecidas pelo MEC, o que se verifica nos últimos anos é uma queda das notas, enquanto que a média exigida pelo Ministério da Educação vei crescendo. “Se esse ritmo persistir, neste ano o Amazonas ficará com nota abaixo da meta do MEC”, disse (ver a parte superior da tabela abaixo)
Na entrevista, ele fala sobre o levantamento, analisa a questão do ensino no Brasil e diz que o que falta é ação planejada e continuidade dessas ações para o país, em 20 ou 30 anos, sair da situação em que se encontra, com uma média abaixo da maioria dos países. Leia a entrevista concedida ao jornalista Valmir Lima.
VL – Você poderia apresentar esse levantamento em que o Amazonas aparece em penúltimo lugar na média das escolas no Exame Nacional do Ensino Médio?
Essa é a média de desempenho das redes estaduais de todo o Brasil no Enem. Todos os anos, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) divulga o resultado por escola do ano anterior. No final de dezembro de 2014, ou seja, quatro meses atrás, o Inep publicou o resultado referente a 2013. Com base nesse resultado, fizemos os recortes. Quando a gente observa as redes estaduais do Brasil todo, consegue estabelecer uma média de desempenho das escolas. Nessa média, a gente verificou que o Estado do Amazonas fica em penúltimo lugar, com a média 451,06 e isso chama muito a atenção, porque realmente o Amazonas fica atrás de outros estados que têm, notadamente, uma questão socioeconômica até mais desvantajosa.
VL – Qual é a metodologia para você chegar a essa média?
A gente pega a média das escolas, que é a nota divulgada pelo Inep e faz a média da rede.
VL – Ainda não há dados de 2014. Vocês trabalharam com os dados de 2013?
Sim, esse é o dado mais recente. O de 2014 vai ser divulgado em dezembro de 2015. É sempre com um ano de atraso.
VL – Você tem como dizer se entre as escolas há algumas que estão muito acima da média e outras que estariam muito abaixo?
Como o próprio nome sugere, essa nota é uma média. Mas temos escolas sim com desempenho bem melhor que esses 451,06 e outras que também estão muito abaixo dessa nota. O mais importante, quando a gente analisa os dados, é que muitas estão próximas da média. Um pouquinho acima, um pouquinho abaixo, mas próximas da média, o que é muito preocupante, porque a média é muito baixa. Só para se ter ideia, 450 é a nota que o MEC (Ministério da Educação) entende como a nota mínima para um aluno poder obter o ensino médio. É o critério mais baixo que se usa, e o Amazonas está perto disso, ou seja, a rede quase não está dando a condição mínima para o aluno tirar o ensino médio, pensando na perspectiva das habilidades e competências que ele deveria ter desenvolvido ao final dessa etapa do ensino.
VL – O que pode ter levado a esse estágio do ensino no Amazonas?
Falar do ensino do Amazonas é falar de uma realidade nacional. Veja: o primeiro lugar dessa média de rede estadual é São Paulo, com nota 498,21. Para os 451 do Amazonas, não tem uma distância muito grande. Os problemas lá e aqui são semelhantes e são, principalmente, metodológicos. Não é só de estrutura das escolas – e isso tem influência –, não é só de falta de valorização do professor – o que também tem sua influência, mas é um problema que tem a ver com a metodologia que se usa, porque o Enem é um exame que privilegia a avaliação de habilidades. Inclusive, cada questão do Enem é elaborada pensando numa habilidade. Não necessariamente só na assimilação do conteúdo pelo conteúdo. Isso é uma discussão que na escola brasileira está muito incipiente. O que é uma boa escola? Diz-se que é um ambiente onde o aluno aprende muitas coisas, mas aprender para fazer o que, com que finalidade? Aprender para mobilizar esses conhecimentos para que de maneira prática ele se traduza em que? Esse é o grande desafio. E o que se aponta é que aqui no Estado do Amazonas, essa desafio é um pouquinho maior que nos outros Estados. Mas todos estão com o mesmo desafio.
VL – O Estado do Pará aparece em 14º lugar e o Amazonas em 26º. Como são dois Estados da mesma região, claro, com dimensões distintas, o que pode fazer a diferença na educação nesses dois Estados?
O Amazonas fica atrás, por exemplo, do Acre, Rondônia, Roraima, e isso chama muita a atenção. A diferença principal do Estado do Pará é que lá houve projetos que se preocuparam com isso, especificamente. O problema da educação é multifarorial. Então, não existe um projeto que sozinho vá conseguir melhorar a educação. Por isso existem vários projetos para atacar os diversos problemas. No Pará, o desenvolvimento de projetos específicos para a formação continuada de professores, para entenderem o que é Enem, e fazer um trabalho efetivo para o Enem, e assim produzir resultados, já começa a aparecer e a dar frutos. Ainda não é uma boa colocação, acho que ainda há muito o que melhorar, mas já é alguma coisa que pode sinalizar que o Estado está no caminho certo. Talvez o que falte seja isso: projetos que atue de maneira mais efetiva para dar conta dessa demanda. E por que essa demanda é importante: porque hoje o Enem é a porta aberta de possibilidades para os alunos da rede pública. Se o aluno quiser ingressar no ensino tecnológico, no ensino superior ou quiser um financiamento para o ensino superior, a nota do Enem é fundamental.
VL – Algumas escolas têm a preocupação de oferecer curso extra para preparar os alunos para as provas do Enem. Não deveria haver uma metodologia para preparar esse aluno no curso do ensino médio?
Tem uma coisa que a gente aprende. Eu não estou só na gestão pública. Já fiz parte da gestão privada, fui diretor, fui dono de escola, fui coordenador, fui professor, então, as soluções em educação sempre aparecem assim: é sempre mais aula. Ah, vamos fazer uma escola de tempo integral. Ótimo, o aluno vai passar pelo menos umas sete horas dentro da escola. Isso é uma vitória muito grande. Mas para aprender o quê? Porque se a gente der mais do mesmo, o resultado acaba sendo igual ou pior. É preciso que, primeiro de tudo, a escola pense num projeto, defina um objetivo. Definir um ensino que privilegie o desenvolvimento de habilidades, de competências, que privilegie uma formação cidadã crítica, uma educação ambiental, o respeito aos direitos humanos. Então, é necessário, primeiro, pensar num projeto político-pedagógico. A partir daí, vai ser muito bem vindo ter uma aula extra, mas que se encaixe nesse projeto maior. Não adianta só mais aula, não adianta só mais projetos e eles não estiverem interligados, formando um corpo. E isso passa pela gestão. O grande problema é a gente achar que só dando mais a gente vai conseguir melhorar a educação.
VL – Como você avalia a privatização do ensino, como vem ocorrendo, pela contratação, por exemplo, de empresas privadas para oferecer treinamento na área de gestão educacional e fornecer material didático?
Eu acho que ela tem que ser criteriosa, passar por uma análise técnica, principalmente no que diz respeito a livro didático. Hoje nós temos o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) em que os livros passam por uma avaliação, são aprovados ou não, e não é só um ou dois, mas uma comissão de professores. Então, é preciso ter cuidado com isso. No afã de melhorar, a gente acaba errando. A gestão, acima de tudo, tem que ser preparada, para entender aonde ela quer chegar. Porque senão, você acaba achando que aquilo que você está fazendo é a salvação de tudo, é o que vai melhorar, e depois os resultados não vêm, o recurso já foi embora. Agora, o setor privado é muito bem vindo, porque há trabalho de qualidade no setor privado, mas quando ele se envolve com a gestão pública, principalmente na educação, pode ir embora e deixar uma herança muito ruim e difícil de corrigir. Portanto, o critério tem que ser muito bem avaliado para ver se vale a pena a parceria com o setor privado.
VL – Você conversou com a gerência de ensino médio da Seduc do Amazonas sobre o estudo que você fez. Qual foi a tônica da conversa?
Nós apresentamos os dados e verificamos que eles já estão com algumas iniciativas. Talvez essas iniciativas estejam engatinhando. Nos oferecemos para dialogar com eles e contribuir com o que a gente já tem, mas percebemos que eles já estão trilhando um caminho, começando a se mover, entendendo que esse problema existe. O que se precisa nesse momento é projeto, é visão, é objetivo bem claro de onde se quer chegar, monitoramento dos programas que estão em andamento, mudança de curso naquilo que for preciso, porque é assim que a gente vai conseguir avançar. Eu sempre dou esse exemplo: a Alemanha conseguiu mudar o futebol dela em 12 anos. O futebol alemão se reestruturou em 12 anos para ser campeão do mundo. Em quanto tempo vai precisar para e educação brasileira se reestruturar e virar uma educação de excelência? Talvez 20, talvez 30 anos, mas a gente não pode deixar pra fazer isso daqui a 10, 20, 30. Tem que fazer agora, para produzir resultados.
VL – Mas nos anos de 1980 já se falava em buscar alternativas para reestruturar a educação para alcançar resultados em 20 ou 30 anos. E estamos falando a mesma coisa 30 anos depois.
Eu acho que o grande responsável disso é a falta de continuidade. É muito comum isso acontecer. A gestão que chega quer sempre desqualificar a anterior. E qual é a forma mais perversa de desqualificar a anterior? É dizer que nada do que foi feito era realmente pertinente. E com isso, vive-se um eterno recomeço. De quatro em quatro anos, ou de oito em oito anos, a gente sempre volta pra estaca zero. Assim não há avanço possível. Realmente esse é um problema que tem que ser resolvido no Brasil.
Veja a tabela com as médias dos Estados:
*George de Castro é diretor executivo da Consultoria Macedo e Castro,
ex-diretor de ensino médio e educação profissional do Estado do Pará (Seduc-PA)
e supervisor do programa Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (MEC-UFPA).