“Prefeito, tampe os buracos da cidade”. “Presidente, renuncie logo”. “Papa, libere o uso do preservativo”.
Para alguém expressar opiniões como essas hoje em dia, basta ter acesso a uma rede social. E se a opinião for compartilhada por muitas pessoas, é possível não apenas ser ouvido, mas também ter suas reivindicações atendidas. Inclusive causar o afastamento de apresentador famoso de telejornal tradicional, como William Waack, ou encerrar a carreira de astros hollywoodianos do porte de Kevin Spacey.
E antes dessa tecnologia? Como o povo conseguia expressar, por exemplo, seu descontentamento com os detentores do poder? Como diziam o que pensavam, driblando censores e evitando as severas punições? Houve um povo que talvez tenha levado ao pé da letra a profecia sobre o “clamor das pedras”. Assim, na Itália, quando algo precisava ser dito, conseguia-se a proeza de fazer uma estátua falar.
A mais famosa estátua falante do mundo foi esculpida no Século III antes de Cristo. Os especialistas especulam que se tratava da reprodução da luta de Hércules contra o centauro. Um ano após o descobrimento do Brasil, em 1501, um cardeal a encontrou esquecida e deteriorada, e ordenou que ela fosse assentada na esquina de sua residência, na Piazza Navona, em Roma. Hoje, essa praça fica bem perto do consulado brasileiro.
Contam que alguns jovens gaiatos repararam que a estátua era a cara de um barbeiro, o maior fofoqueiro da cidade e passaram a chamá-la de “Estátua de Pasquino”. A piada fez sucesso e não demorou para alguém ter a ideia de afixar na imagem um verso afirmando que um figurão da época era corno. Logo, virou hábito popular acordar de manhã cedo para ler, antes das autoridades retirarem, os cartazes e bilhetes apócrifos que faziam Pasquino falar fofocas, calúnias, mas também protestos, críticas e sátiras contra os poderosos.
Uma das mais famosas “pasquinadas” de todos os tempos foi proferida contra um papa. Maffeo Barberini se tornou o Papa Urbano VIII (1568-1644) e o povo não o considerou um pontífice justo, por privilegiar e enriquecer seus parentes. Quando o 235º papa decidiu retirar, para fundir em canhões, as grandes vigas de bronze da cidade, construídas ainda no Império Romano e que tinham sobrevivido às Invasões Bárbaras, a estátua de Pasquino desabafou: “O que não fizeram os bárbaros, fizeram os Barberini”.
Outra célebre crítica a um papa foi feita após a morte do Papa Leão X (1475-1521), famoso pelo exagero na venda de indulgências. Pasquino assinalou: “Nos últimos momentos da vida de Leão X, ele não poderia receber os sacramentos, porque até isso já os havia vendido”. O impopular papa Paulo IV (1476-1559) e sua inquisição sangrenta, repleta de condenações à fogueira, também foram desafiados por Pasquino: “Filhos, menos juízo e mais fé exige o Santo Ofício. E raciocinai pouco que contra razão existe o fogo. E a língua esteja do seu agrado porque Paulo IV gosta muito de assado”.
Com o tempo, a estátua de Pasquino ficou visada. Soldados foram escalados para fazer vigília e desestimular as declarações ferinas da escultura. Em vão. Os romanos passaram a usar outras estátuas da cidade. Ficou claro que era inútil calar Pasquino. A repressão fez até surgir a tradição do diálogo entre as imagens falantes.
Durante a dominação napoleônica, houve um diálogo entre os ícones de Pasquino e de Marforio. A imagem de Marforio pergunta: “É verdade que os franceses são todos ladrões?”. A resposta de Pasquino faz um trocadilho com o sobrenome de Napoleão: “Não todos, mas BonaParte”.
Durante o Fascismo, em 1938, por ocasião dos preparativos para a visita de Hitler a Roma, Pasquino protestou contra toda aquela pompa em homenagem ao líder nazista: “Pobre Roma de mármore! Eles te vestiram toda de papelão para você receber um pintor, que na verdade quer ser teu patrão”.
Atualmente, se não existissem as redes sociais e ainda fossem necessários para o povo italiano os desabafos de Pasquino, a estátua certamente falaria da seleção italiana. A “Azurra” perdeu a repescagem para a Suécia e está fora da Copa do Mundo na Rússia. Desde 1958 isso não acontecia. O que será que Pasquino – responsável pelos jornais sensacionalistas de hoje serem chamados de “Pasquim” – diria? “O futebol italiano está fora do mundial. Na Rússia não poderá ser o campeão. Cuidado, Brasil, para não te achar o tal… e depois ver a situação ficar ruça para a Seleção”.
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