O escritor e filósofo francês Denis Diderot (1713 – 1784) foi considerado um dos homens mais cultos do chamado ‘Século das Luzes’. Ao lado do intelectual Jean D’Alembert (1717-1783), ele elaborou, reformulou e ampliou a ‘Enciclopédia’, obra de 35 volumes criada com o objetivo de reunir os conhecimentos artísticos, científicos e filosóficos da época e que se tornou o principal meio de divulgação das ideias iluministas.
Crítico da concentração do poder dos reis e defensor do Estado laico, Diderot é autor de frases categóricas como: “Do fanatismo à barbárie não há mais do que um passo”; “A ignorância não fica tão distante da verdade quanto o preconceito”; “Cuidado com qualquer pessoa que queira trazer a ordem”. E a mais contundente de todas: “O homem só será livre quando o último déspota for estrangulado com as entranhas do último padre”.
Apesar de todo o seu conhecimento enciclopédico e reputação de bom debatedor, houve um jantar em que Diderot ouviu uma observação que o deixou sem palavras e sem reação. Apenas quando já estava de saída, descendo as escadas da mansão na qual ocorria o evento, foi que encontrou a resposta à altura.
A réplica era tão impecável e espirituosa que ele pensou em subir os degraus, regressar à festa e pronunciá-la em alto e bom som. Por certo, seria aplaudido, admirado, reverenciado e, mais importante, seu adversário ficaria com cara de bocó. Entendeu, porém, que era tarde demais. A oportunidade havia passado.
Aquele acontecimento foi traumático para o filósofo, tanto que, anos depois, ele relatou a amarga experiência no livro ‘Paradoxe sur le Comédien’, de 1773. Ele escreveu: “Um homem sensível, como eu, esmagado pelo argumento lançado contra si, fica confuso e só consegue voltar a pensar com clareza (quando chega) ao fundo da escada”.
E assim, Diderot criou a expressão ‘L’esprit d’escalier’, o espírito da escada (ou sabedoria da escada). Portanto, o espírito da escada é aquela resposta perfeita, refutação demolidora, a piada infalível, o argumento irretocável, que só lhe vem à cabeça quando o momento já passou.
Quem já foi ‘assombrado’ pelo espírito da escada e vivenciou o sentimento de remorso por não ter pensado na resposta quando ela mais era necessária ou adequada entendeu exatamente pelo que Diderot passou, o que tornou o termo popular e universal.
Curioso que no Brasil não há uma expressão tupiniquim para retratar esse arrependimento causado pela ausência da resposta certa na ponta da língua. Talvez porque, mesmo quando não tenham algo inteligente ou mordaz para contra-argumentar, alguns brasileiros sempre têm suas frases de objeção prontas, tipo: “Ah! Mas, não foi o meu partido que inventou a corrupção”. O silêncio provavelmente seria melhor, mas quando a situação é desesperadora há ainda aqueles que não querem saber de espírito da escada ou espírito esportivo nenhum e disparam logo: ‘Tua mãe!’
O esporte, no entanto, está repleto de casos ‘paranormais’ de manifestação do espírito da escada. Experiências em que a resposta ideal, a ideia genial, só surge “ao fim da descida da escada”, quando a chance já passou. Algo como a Seleção Brasileira golear a Alemanha em um amistoso.
Quem pode estar passando por isso é o Flamengo. Por Vinícius Júnior, atleta de 16 anos, o clube recebeu a oferta de 45 milhões de euros (equivalente a R$ 154 milhões) do Real Madrid. De início um valor exorbitante para um jogador ainda muito novo, a quantia pode virar ‘mixaria’ se, no futuro, o garoto se tornar o grande craque que o presente anuncia. E se a ideal resposta vier somente ao final da escada?
O certo é que na escada de desgostos por oportunidades perdidas, há ainda um arrependimento mais profundo e pior do que o ‘Eu deveria ter dito’, o terrível: ‘Eu deveria ter feito’. E para esses remorsos, não há gritos de ‘Tua mãe!’ que resolva.
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