Em sequência ao artigo ‘Waack, hegemonia e as entranhas’, onde fora tratado sobre o caráter ideológico da parte mais influente e dominante da mídia nacional, pegando carona na queda da máscara de Willian Waack e nas contribuições de Antonio Gramsci, o que tem continuidade aqui é uma uma tentativa de entender o papel dos aparelhos privados de hegemonia.
Contudo, vale agora refletir criticamente quais são as particularidades e os limites bem definidos sob as quais o monopólio dos meios de comunicação, particularmente no Brasil pode de fato soar em consonância com o mínimo dos valores democráticos, e, de que forma, os nega.
O trabalho de jornalista provavelmente é, pelo menos em tese, um dos mais nobres trabalhos que se pode ter. Pelo menos desde a revolução francesa, e com os processos de democratizações se espalhando pelo mundo, é que o jornalista tem o fundamental papel de criar caminhos para a verdade fluir para onde deve fluir. Isto é, ele cria a ligação dos fatos – ou pelo menos do lugar onde eles acontecem – para o público. Dando-o, assim, a possibilidade de incorporação dessas massas na dinâmica política geral.
Porém, quando o assunto é Brasil, o grande jornalismo ‘mainstream’ (Tradicional) responde por uma dinâmica indispensável para o lado de lá da luta de classes. A mídia brasileira não é apenas nepotista, monopolizada, dotada de interesses próprios e interesses com simpatia ideológica, ela é intrinsecamente ligada a uma burguesia empenhada em manter e expandir seus privilégios. São, em absoluta maioria, a voz de uma canalha liberal e corrupta.
Com isso, existe algo que deve ser duramente criticado e frequentemente reforçado: a capacidade incrível de manufaturação da opinião pública por parte de um grande monopólio dos meios de comunicação. E algo a ser relembrado: evidentemente que não é um fenômeno casual, nem mesmo exclusivo do País, mas sim um aparelho estratégico e fundamental de legitimação ideológica da classe dominante. Isto é, veja, alguém com razoáveis faculdades mentais duvida da descarada qualidade publicitária de algumas revistas?
Nada contra, nesse plano de debate, com o discurso liberal. Isto é, eles podem e devem fazer parte da dinâmica intelectual. O problema enorme se dá quando ele aparece como discurso único. Exaustivamente repetido. Produtor de unanimidade. O grande êxito do neoliberalismo não se dá na economia política, se dá somente no convencimento de que, para além dele, nada há como alternativa.
Existe um certo padrão no discurso midiático. No melhor dos casos, existe um curto espectro. O pessimismo e a geração de tragédias se fazem como uma grande receita de venda de notícias. E a exaustiva negatividade corrobora de maneira capenga para que o leitor rechace tudo que ai está, num senso crítica caolho. A geração de vilões é feita em escala industrial, enquanto heróis se formam e lapidam como diamantes. Fora o caso do Moro – esse grande e poderoso brasileiro enviado por Deus para salvar o Brasil das garras do comunismo – é um caso raro em comparação a quantidade de vilões que temos. O mercado é aquele que está lá sempre para nos salvar.
O problema não se dá apenas no discurso publicitariamente liberal da mídia, a tragédia maior é que a unilateralidade exclui o contraditório. Exclui o que há de mais fundamental para a democracia. Exclui a voz do povo sobre os acontecimentos que afetam o próprio povo. Muitas vezes protagonizado pelo próprio povo. Fazendo com que as pessoas não se enxergam umas as outras enquanto sua similaridade de classe.
O espaço que, por exemplo, a Globo dá para pautas identitárias, é um avanço, claro. Mas ao mesmo tempo que faz isso escancara seu limite político. Ela nunca contraria seus interesses, ou melhor, os interesses de quem sustenta seu próprio funcionamento. Ao mesmo tempo que coloca uma pessoa trans na novela, propagandeia a rodo o agronegócio. Jamais colocará alguém como João Pedro Stédile para explicar e contar da nobreza e dos méritos de sua causa. Os limites são claros, e a concentração dos meios de produção da comunicação é parte fundamental da manutenção do status quo, perpetuadora do Brasil colônia e inimiga da democracia.
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