A Disney se deu muito bem ao comprar a franquia Star Wars. Cada filme lançado com a temática da saga arrecada bilhões de dólares para a empresa do rato Mickey.
O mais recente filme produzido pelo estúdio – ‘Os últimos Jedi’ – foi a maior bilheteria de 2017, mesmo estando em exibição apenas nas três últimas semanas do ano e atualmente já é a nona maior bilheteria de todos os tempos. Foi indicado a quatro categorias do prêmio Oscar: efeitos visuais, trilha sonora original, edição de som e mixagem de som.
Além de gerar lucros, entretanto, a película também despertou fortes críticas. No site Rotten Tomatoes, obteve a nota mais baixa de todos os oito filmes Star Wars com 49% de aprovação. Alguns fãs até criaram petições on-line pedindo para a produção ser retirada do cânone oficial de Star Wars.
O principal motivo da contrariedade é o destino dado nos filmes recentes a alguns dos protagonistas da primeira trilogia (em ordem cronológica de exibição). Naquela jornada, Luke Skywalker (Mark Hamill), sua irmã gêmea a princesa Leia (Carrie Fisher) e o namorado dela, Han Solo (Harrison Ford) se tornam heróis de guerra superando o vilão Darth Vader e derrotando um império galáctico malvado. Tão maligno que não tinham pudor de usar uma poderosa arma de destruição em massa, a Estrela da Morte.
É claro que para continuar a saga, a Disney não iria mostrar o universo em paz e o trio feliz. Assim, nos novos filmes a galáxia está em perigo e agora dominada pelos perversos integrantes da Primeira Ordem, que possuem uma versão ainda mais devastadora que a Estrela da Morte. Agora, capaz de extinguir vários planetas ao mesmo tempo.
O problema é que, para realçar os novos protagonistas, alguns heróis antigos foram tratados como modelos de aparelhos celulares obsoletos.
A exceção é Leia. Nos novos episódios, o filho dela com Han Solo se filia ao lado dos vilões, mas a princesa se torna uma líder da resistência.
Já Han Solo deserta da guerra, deixando mulher e filho em lados opostos do conflito e volta a ser contrabandista. É estranho porque o contrabando ‘estelar’ é uma atividade de alto risco na saga. Mesmo evitando a guerra, Han Solo arrisca a sua vida e ainda sofre a constante ameaça dos vilões usarem a arma para destruir o planeta onde ele está fazendo contrabando.
Outra intensa quebra de expectativa veio com Luke Skywalker. Na trilogia original, para ajudar os amigos em perigo, o jovem Luke até abandonou o importante treinamento Jedi. Na saga da Disney, o agora ‘velho guerreiro’ comete uma falha e decide se autoexilar em um planeta isolado para ficar remoendo o erro até morrer. Enquanto isso, o universo está em guerra e a sua irmã e amigos, no meio do tiroteio.
O intérprete de Luke também estranhou a mudança. “Eu disse para o Rian (Johnson, diretor do filme): ‘Os Jedi não desistem.’ Mesmo se Luke tivesse um problema, ele talvez teria tirado um ano para melhorar. Mas se ele tivesse cometido um erro, ele tentaria corrigi-lo. (…) Essa é a próxima geração de ‘Star Wars’, então tive que ver Luke quase como se fosse um outro personagem. Talvez ele seja Jake Skywalker. Ele não é o meu Luke Skywalker…”, declarou Mark Hamill.
Parece que os roteiros da nova saga tentam agradar a atual geração. Numa época em que atualização na nova tecnologia virou sinônimo de ser depositário da sabedoria, tudo que é velho virou estorvo, anacrônico e chato.
Assim, no filme, o velho Skywalker é a personificação do “idoso que não sabe navegar na internet e por isso um inútil”. Nele, não há qualquer sinal de instrução ou sabedoria. É apenas um retrógrado ranzinza com a ideia fixa de que deve destruir o “jediismo” e até queima um templo cheio de livros sobre os Jedis!
Nos filmes anteriores, os velhos Jedis eram os detentores de um saber que todos almejavam: o domínio da ‘Força’. A arte que só se aprendia convivendo com os que tinham mais experiência. Um eco de uma época em que jovens pediam a bênção dos idosos.
Dominar a ‘Força’ exigia esforço e dedicação. Diante disso, começava-se a jornada da capacitação como aprendiz, chamado de Padawan. Até que, após muito tempo de prática e estudo, chegava-se ao elevado nível em que poderia ser chamado de Jedi.
Uma frase marcante dessa ideia da valorização do exercício e do aprendizado é o “Lembre-se do seu treinamento”.
Recordar os momentos vivenciados no ensaio e na preparação é o antídoto ideal para superar os mais árduos desafios na “hora do vamos ver”. “Lembre-se dos treinos” também é o ‘mantra’ perfeito para atletas e o segredo das vitoriosas equipes esportivas.
Em ‘Os últimos Jedis’, porém, não há por que se lembrar de treinamentos e lições. A nova heroína, Rey, alcança o domínio da Força de forma intuitiva e se torna uma Jedi de forma autodidata. A personagem, idealizada para o paladar da nova geração, reflete nosso tempo em que jovens perderam a capacidade de ser ‘discípulos’ por não conseguir ver os mais velhos como ‘mestres’. Não precisa aprender quem acha que já ‘sabe de tudo de que precisa’. E que é possível ser Jedi sem nunca ter sido um Padawan.
Para quem, porém, já aprendeu que as belas, sensacionais e novas tecnologias não resolvem as questões mais profundas do ser humano, continuará a fazer sentido o esforço para dominar a ‘Força’ e todo o significado contido na frase: “Lembre-se do seu treinamento”.
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