Por Alexa Salomão, da Folhapress
SÃO PAULO – O apresentador Luciano Huck, o fundador da Cyrella, Elie Horn, o presidente do conselho de administração do Santander, Sergio Rial, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, o fundador do Marfrig, Marcos Molina, e mais de mil representantes do setores empresarial e social se reuniram nesta segunda-feira (25) para discutir como organizar e ampliar a filantropia no Brasil em caráter permanente.
Basicamente, tentam manter o que pareceu ser um novo padrão de doações do setor privado a partir da Covid-19. No primeiro ano da pandemia, chamou a atenção o alto volume de doações realizadas por empresas a partir de iniciativas espontâneas de seus fundadores e acionistas. Um total de R$ 7,2 bilhões foi oferecido por 732 mil doadores, número histórico para os padrões brasileiros, segundo o monitor de doações da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos).
É possível também ver o peso das empresas em outra pesquisa, feita pela Bics (Benchmarking do Investimento Social Privado), da Comunitas, que reúne 17 institutos e 324 das maiores empresas do país. Só em 2020, o grupo doou R$ 5 bilhões, o dobro da média nos quatro anos anteriores.
Essas cifras bancaram, apenas para citar alguns exemplos, equipamentos e produtos de saúde, empreendimentos sociais para gerar renda e incontáveis cestas básicas para ajudar as famílias dos 36 milhões de trabalhadores informais do país que ficaram sem serviço, 4 em 10 do total nacional. O envolvimento foi especialmente forte em 2020, mas foi perdendo força.
Há temor de que ocorra um retrocesso com o abrandamento da Covid. Dados de 2021 ainda não foram consolidados, mas neste ano, até meados de abril, 66 empresas doaram R$ 50 milhões, segundo o acompanhamento da ABCR.
Historicamente, o padrão de generosidade deixa a desejar no país. Apenas 0,2% dos brasileiros fazem doações. Quem doa mais é quem tem menos. No Brasil, os mais ricos doam quantias equivalentes a um terço do que doam os mais pobres, proporcionalmente à renda, apesar de concentrarem a riqueza nacional -cerca de 1% detém um terço da renda brasileira, segundo dados do Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas.
“Falar em geração de riqueza não pode ser demonizado, mas egoísmo precisa ser demonizado”, disse Rial em sua apresentação. O encontro, em São Paulo, organizado pelo banco Santander e pelo Movimento Bem Maior, foi chamado de Legado, numa alusão ao que filantropia estruturada pode produzir no longo dos anos num país como o Brasil.
“Nós somos responsáveis pelo mal-estar da população pobre e temos de fazer o bem, queiramos ou não, e é melhor fazer querendo, porque custa menos”, afirmou Elie Horn, cofundador do Movimento Bem Maior, que foi entrevistado por Luciano Huck no palco do teatro Santander.
Horn, ao lado de sua esposa, Suzy, foi o primeiro líder empresarial da América Latina a aderir ao The Giving Pledge (Promessa de Doação, em tradução livre), a convite de seus criadores, Bill Gates, da Microsoft, e Warren Buffett, da Berkshire Hathaway. A adesão determina que ao menos metade da riqueza do doador será repassada a ações filantrópicas. Horn se comprometeu a doar 60% da sua riqueza às causas sociais.
Um dos pilares da discussão entre os defensores da filantropia neste momento é fazer com que se reconheça o poder da doação para reduzir a desigualdade estrutural, no momento em que ela aumenta.
“O Brasil é um país pobre. Apesar de as pessoas que estão numa condição melhor não verem isso com clareza, os números retratam bem, e há uma pobreza no Brasil que é cíclica, de geração em geração, e que afeta todas a dimensões da vida de uma pessoa, não apenas a renda”, diz Maurício Padro, fundador da Plano CDE, empresa de pesquisa sobre a baixa renda.
Segundo levantamento da Plano CDE, 75% da população vive com uma renda familiar mensal inferior a R$ 4.500.
Em algumas camadas, o dinheiro mal dá para a sobrevivência. Cerca de 45% da população está na classe C, com renda entre R$ 2.000 e R$ 4.500. Quem ganha R$ 2.500 em São Paulo, por exemplo, gasta R$ 1.250 com comida e produtos de limpeza e outros R$ 1.000 com aluguel. Sobram R$ 250 para água, luz, telefone, internet e lazer para quatro pessoas, tamanho médio de uma família nessa faixa.
Essa parcela ainda tem restrição a acesso de serviços básicos: 45% não têm acesso a esgoto, 16% ainda não têm água tratada, e o acesso a internet é precário. Segundo Prado, 90% das famílias tiveram de dividir o WhatsApp em um celular na pandemia. “Esse foi o ensino a distância dessa parte da população”, afirmou.
A pandemia, seguida de uma retomada mais lenta e desorganizada que o previsto, com falta de insumos, aumento da inflação e a eclosão da guerra na Ucrânia pioraram a situação na baixa renda. Segundo a Plano CDE, 55% dos brasileiros vivem com algum tipo de insegurança alimentar, sendo que 38% das famílias dependem de doações para comer.
A perspectiva é de piora no cenário. Pesquisa da Tendências Consultoria Integrada, divulgada no começo do ano, mostra que as classes D e E já representam 55% do país e tendem a ganhar 1,2 milhão de domicílios a mais neste ano. Ao mesmo tempo, esse segmento vai perder 14% de sua massa de renda -soma da renda habitual do trabalho calculada pelo IBGE, transferências do Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, Previdência e outras fontes.
O entendimento é que filantropia, nesse contexto, poderia atuar para reduzir carências e deficiências de serviços e produtos básicos, ampliando o bem-estar e a saúde, e a criando condições para a mobilidade social, especialmente com iniciativas na educação.
Parte do trabalho passa por sensibilizar os políticos. “A gente não pode ter aversão à política, a gente precisa colocar os melhores políticos no poder, senão haverá lideranças medíocres como hoje”, disse Luciano Huck. Na avaliação do apresentador, não apenas doações em dinheiro fazem a diferença. As pessoas podem atuar de muitas maneiras para reorganizar o Brasil.
A deterioração da renda, que começa a se espalhar pela pirâmide social, já compromete a generosidade do brasileiro médio. A tendência aparece no Giving Report 2021, divulgado em fevereiro, com dados relativos a 12 meses antes da chegada da Covid-19 até novembro de 2020. Segundo o relatório, a parcela da população que declarara ter feito alguma doação caiu de 78% a 72%.
A queda renda familiar das camadas médias e baixas explica o comportamento. A pesquisa identificou que 3 em cada 5 brasileiros, o equivalente a 60% da população, sentem queda na renda, enquanto 84% se declaram preocupados com o futuro de sua renda familiar.