Por Júlia Barbon , Fabrício Lobel e Geórgea Choucair, da Folhapress
ITATIAIUÇU, MG, BARÃO DE COCAIS, MG, e SÃO PAULO, SP – Duas cidades de Minas Gerais foram parcialmente evacuadas na madrugada desta sexta-feira, 8, devido ao risco de rompimento de barragens. Os alertas ocorreram em Barão de Cocais, a 100 km de Belo Horizonte, e Itatiaiuçu, na região metropolitana. Ao todo, cerca de 650 pessoas foram afetadas.
Em Barão de Cocais (a 146 km de Brumadinho), cidade com 32.319 habitantes, a Vale deu início a uma evacuação nas comunidades de Socorro, Tabuleiro e Piteiras. 239 moradores foram removidos. No total, somadas com as comunidades Vila do Congo e Córrego do Arroz, que também exigem cautela, são 477 pessoas em área de risco.
A Agência Nacional de Mineração (ANM) determinou a implantação do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração após uma consultoria avaliar que a estrutura não é estável -a empresa, Walm, negou a declaração de condição de estabilidade à barragem.
A evacuação é uma medida preventiva. De acordo com a mineradora, as inspeções no local foram intensificadas e consultores internacionais devem fazer nova avaliação no domingo, 10.
Em vídeo postado em rede social, um homem de Santa Bárbara, município vizinho, registrou o alerta dos alto-falantes.
“Atenção, atenção: isso é uma emergência. Atenção, atenção: essa é uma situação real de emergência de rompimento de barragem. Abandonem imediatamente suas residências, sigam pela rota de fuga até o ponto de encontro, e permaneçam até que sejam passadas novas instruções.” Em seguida, é tocada a sirene.
Em nota, a prefeitura do município afirma que os moradores foram evacuados por ônibus da Vale e outros veículos para o ginásio poliesportivo da cidade. A maioria já deixou o ginásio. Algumas pessoas foram encaminhadas para hotéis em Barão de Cocais, Santa Bárbara e Caeté. Outras preferiram ir para a casa de familiares ou amigos. Só após um laudo apontar estabilidade é que elas poderão retornar às suas residências.
O nível de classificação de risco da barragem é 2. O próximo, 3, seria o rompimento. São cerca de 250 casas na área de risco, mas muitas estavam vazias, por se tratar de área rural.
A barragem Sul Superior tem volume de 6 milhões m³ de rejeitos principalmente de minério de ferro. Ela é uma barragem de 85 metros de altura, e segundo dados da ANM tem o risco enquadrado como baixo e o dano potencial como alto -ambos iguais à de Brumadinho.
Ela é uma das dez barragens a montante inativas remanescentes da Vale e faz parte do plano de aceleração de descomissionamento de barragens a montante (com degraus sobre os rejeitos, sistema mais barato e menos seguro). A estrutura suportava a produção da mina de Gongo Soco, cuja produção de minério de ferro foi paralisada pela Vale em abril de 2016.
Em Itatiaiuçu, cidade com 11.037 habitantes, os cerca de 150 moradores do bairro de Pinheiros foram acordados por bombeiros e policiais militares por volta das 2h30. Os agentes passaram de casa em casa, por 52 residências, avisando sobre a evacuação com a sirene das viaturas ligadas.
O alerta aconteceu após a mineradora ArcelorMittal informar às autoridades que a avaliação de risco da barragem de rejeitos de Serra Azul, a cerca de 5 km do bairro, havia mudado do nível 1 para o 2, que exige retirada imediata da população. O sistema de sirenes da barragem não foi acionado.
Segundo o capitão Herbert Aquino, da Defesa Civil de MG, a intenção era não causar mais pânico após a tragédia de Brumadinho. Ele diz que foi uma medida de prevenção da empresa, que teria usado uma metodologia mais rigorosa de avaliação.
Com o alerta, os moradores se dirigiram para ruas altas da região, incluindo uma praça às margens da rodovia Fernão Dias. O caseiro Antônio Evêncio, 48, foi acordado pelo sobrinho batendo em seu portão. “Ele falou ‘corre que vai estourar a barragem’. Pensei logo em Brumadinho”, contou.
A aposentada Geralda Emília dos Santos, de 79 anos, usa bengala e tem dificuldades para se locomover. Acordou assustada com a sirene tocando na sua cada, na Vila do Gongo Soco. Saiu às pressas com a ajuda do filho, o ajudante de pedreiro Roberto dos Santos. “Assustei e tive muito medo”, diz Geralda.
Ficaram inicialmente em uma região mais alta, próxima à torre de telefonia. Pela manhã, foram para casa do outro filho de Geralda, que mora no centro de Barão de Cocais. Deixaram para trás a criação de galinhas e os cachorros. “Saímos de qualquer jeito, com a roupa que a gente estava.”
“É para salvar a vida, né? “, afirma Roberto. Eles foram uma das últimas famílias a comparecer na quadra poliesportiva da cidade, onde muitas pessoas que deixaram suas casas ficaram abrigadas e fazendo cadastro pela manhã.
O vendedor ambulante José Maria Aparecido de Assis é outro que preferiu se alojar na casa de familiares. Ele mora na Via do Gongo Soco com a mulher e duas filhas. Acordaram com o apito da sirene e foram inicialmente para a torre telefônica. Pela manhã desceram para a cidade, para a casa do cunhado de José Maria. Fecharam a casa, mas deixaram para trás as galinhas e os passarinhos. ” Todo mundo assustou com o apito. Está tudo fechado, mas o que tenho são meus animais e a minha casa”, diz José Maria.
O casal Leonardo Aparecido da Silva e a mulher Sheila Pinto Coelho moram na comunidade de Socorro e ficaram de 2h até às 11 horas na torre. Chegaram muito assustados na quadra poliesportiva. Os dois filhos do casal, Cauã Yuri da Silva, 12, e Stephanie da Silva, 8, não conseguiam parar de chorar. Leonardo conseguiu tirar o carro da casa, mas os seis cachorros e a galinha ficaram. A família ficou alojada em um hotel em Caete, próximo ao trabalho de Leonardo, que é motorista.
Ao lado da praça, a população que ainda não estava no cadastro da mineradora está sendo registrada: quem mora em área de risco está sendo levado a um hotel reservado pela empresa em Itaúna, a cerca de 25 km de distância (já são cerca de 70 pessoas hospedadas), ou pode optar por ficar em casa de parentes fora da área de risco.
Foi o caso do motorista Antônio Ferreira Gomes, 67, que decidiu ficar na casa da filha, em uma parte alta. “Eu não ouvi sirene nenhuma, só fiquei sabendo que tinha que sair porque minha nora que mora em frente veio gritando. Ela parece que ouviu chamarem”, afirmou.
Já quem não mora em área de risco pôde voltar para casa. “Passaram no portão avisando e saí de carro na hora com meus filhos e minha mulher. Voltamos umas 5h30, porque disseram que não estávamos numa área perigosa”, disse o também motorista Fernando José, 42.
Segundo o Corpo de Bombeiros, a avaliação de quais famílias habitam a área de risco está sendo feita com base no plano de emergência da mineradora, que diz quais locais potencialmente seriam atingidos em caso de ruptura da barragem.
A barragem da ArcellorMittal tem 5 milhões m³ também de rejeitos de minérios de ferro e 89 metros de altura. Assim como a de Brumadinho e a outra da Vale em Barão de Cocais, esta de Itatiaiuçu também tem classificação de risco baixa e dano potencial alto. Seu método construtivo também é a montante, a única da empresa com este método. Ela está desativada desde 2012 e não recebe rejeitos desde então.
A mineradora anunciou que tomou a medida após inspeção e auditoria minuciosos, realizados após a tragédia em Brumadinho. Em caso de colapso, o trajeto dos rejeitos seria de 4 a 5 km. A comunidade esvaziada está a 5.
“A empresa concluiu que não se pode correr absolutamente nenhum risco, e que, apesar do transtorno para a comunidade, esta é a decisão correta”, afirma a ArcellorMittal, em nota. Os moradores permanecerão hospedados enquanto novos testes são feitos, até a segurança seja assegurada.
As ações nos dois municípios foram tomadas duas semanas após a barragem da mina do Córrego do Feijão se romper em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Nesta quinta-feira, 7, o número de mortos no desastre de Brumadinho chegou a 157. Há ainda outras 182 pessoas desaparecidas entre funcionários da mineradora e moradores da região. Do total de vítimas, 134 já foram identificadas.