
Por causa do desenho animado ‘Tom & Jerry’, a minha primeira referência sobre Jerry Lewis (16/03/1926 – 20/08/2017) era que ele tinha o nome de um rato.
Naquela época em que eu achava que Tom Jobim e Jerry Adriani deveriam gravar um disco juntos, logo ficou visível que o comediante americano tinha pouco a ver com o camundongo da televisão. O ratinho do desenho era esperto e sempre se saía bem das tentativas de ser capturado pelo gato. Já o Jerry dos filmes sempre se atrapalhava e se envolvia em enrascadas.
Depois, a familiaridade fez aquele cara engraçado significar muito mais do que alguém com nome de camundongo de desenho e receber outras nomeações mais “carinhosas”. Era diversão garantida quando alguém anunciava que na “Sessão da Tarde” iria passar o filme do “doidinho”.
Outra diferença em relação ao desenho criado pela dupla Hanna-Barbera é que a história envolvendo gato e rato incomodava alguns pais por apresentar excesso de violência. Em alguns países, Tom & Jerry teve cenas censuradas, acusadas de expressar racismo, terrorismo, tabagismo e suicídio.
Bem diferente da percepção geral dos “filmes do doidinho”. Naquele tempo, assistir a programas de TV já era uma atividade coletiva e com os filmes de Jerry Lewis esse momento comunitário era mais forte. Não havia preocupação de mandar as crianças saírem da sala. Religiosos também não ficavam temendo alguma cena reprovável. Todos assistiam e se divertiam.
Era interessante perceber que as pessoas podiam gostar muito de alguém tão inadequado quanto as personagens interpretadas por Jerry. Um conforto para crianças e adultos que não se sentiam os maiorais do pedaço.
O povo gostava muito, mas os críticos achavam que o humor pouco sofisticado de Jerry Lewis era brega e bobo. Bom mesmo eram os filmes intelectuais e refinados feitos pelos franceses.
Por isso, muita gente se espantou quando revistas francesas especializadas em cinema e a academia francesa começou a enaltecer e aclamar Jerry Lewis. Cineastas considerados cerebrais e da vanguarda como François Truffaut e Jean-Luc Godard também passaram a tratá-lo como um gênio e considerar obras-primas filmes como “O Professor Aloprado (1963)”.
Em um popular talk show americano (anos 1970), o apresentador Dick Cavett fez questão de perguntar a opinião de Jean-Luc Godard sobre Jerry Lewis. Parecendo incomodado com os elogios do francês, o apresentador argumenta que Jerry, muitas vezes, não tinha graça nenhuma. Godard contrapõe: “Mas ele é ainda mais engraçado quando não é engraçado!”.
Uma situação que Jerry Lewis não deve ter achado engraçada, mas outros sim, ocorreu quando ele recebeu o convite do diretor Billy Wilder para participar do filme “Quanto mais quente melhor (1959)”. O papel tinha sido escrito especialmente para ele, até o nome da personagem era Jerry. O comediante, porém, recusou por não querer aparecer no filme quase todo vestido de mulher. “Seria muito desconfortável. Fazer algumas cenas vestido de mulher, tudo bem, mas um filme inteiro? De jeito nenhum”.
Quem gostou da recusa foi o ator Jack Lemmon, que por causa do papel foi indicado ao Oscar e viu sua carreira decolar. O filme também fez sucesso e é considerado por muitos como a melhor comédia de todos os tempos.
Quando perguntado, Lewis dizia que não se arrependendia da decisão e ressaltava apenas uma ressalva. “Talvez eu tivesse sido capaz de beijar Marilyn Monroe”.
Segundo Jerry Lewis, por causa da recusa, todos os anos ele recebia uma caixa de bombons de chocolate enviado por Jack Lemmon. Como chocolate na gíria de futebol significa goleada, essa ocorrência pode ter feito Jerry ter entendido um grande medo de um torcedor brasileiro: “tomar chocolate”.
Aliás, fora os milhões na conta bancária, a vida de Jerry Lewis parece bastante com a do povo brasileiro. Reconhecimento só se receber elogios de estrangeiros. Quando ganha presente é porque tem algo errado. E nem precisa desenhar tantas as vezes que é tratado como rato.
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