MANAUS – No dia 23 de outubro, o Fórum das Águas do Amazonas realizou uma oficina no bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus. A iniciativa teve como objetivo promover os direitos humanos à água e ao saneamento, levando informações sobre a situação destes serviços na cidade. Também ensejou criar um espaço coletivo para que os moradores expressassem as suas impressões sobre o desempenho da concessão privada ao longo dos últimos 24 anos de privatização.
O encontro também deu voz aos moradores presentes, que reclamaram da falta de água no bairro e da má qualidade dos serviços prestados pela empresa. Segundo os participantes, há situações em que os moradores não permitem a ligação do abastecimento de água devido às elevadas tarifas cobradas, preferindo abrir poços artesianos para suprir a necessidade básica de ter água para beber. Registrou-se também uma grande preocupação dos moradores em relação à falta de esgotamento sanitário.
Alguns moradores comentaram que possuem poço artesiano e não usam a água da concessionária, mas são constantemente alvos de fiscalização em busca de ligações clandestinas. E ao serem questionados sobre denúncias nos órgãos competentes, foi dito que não adianta reclamar para o Procon/AM, uma vez que existe na parte interna do órgão uma extensão da concessionária.
Foi comentado também que, para evitar o nome negativado, há moradores que preferem pagar a taxa da concessionária, entretanto não possuem abastecimento pela concessionária. Um dos moradores comentou que há um reservatório de água na comunidade que se encontra abandonado, mas já abasteceu a comunidade local de forma satisfatória num passado recente.
A comunidade sente falta de uma visita à comunidade de uma equipe da concessionária que pudesse esclarecer as dúvidas dos moradores sobre como vai funcionar o sistema de esgoto.
Não sabem o local onde serão despejados os dejetos. Pois até onde sabem muitos igarapés
estão poluídos por conta do despejo irregular de produtos contaminados. O que antes era
local para lazer da família, hoje é inapropriado para banho.
Os direitos humanos à água e ao saneamento foram reconhecidos pela ONU em 2010. A Constituição Brasileira, por meio do artigo 6º, estabelece a saúde, a educação, a segurança, a
moradia, entre outros, como direitos sociais, mas não cita o acesso à água e ao saneamento. A
universalização desse direito ainda não é garantida para a população, sobretudo aos mais vulneráveis.
Atualmente, mais de 1,5 milhão de manauenses não têm acesso à coleta de esgoto, e apenas
21,8% do esgoto gerado na cidade é tratado. De acordo com o Ranking do Saneamento 2024, publicado pelo Instituto Trata Brasil, que avalia os serviços básicos das 100 maiores cidades do
país, Manaus ocupa a 86ª posição, figurando entre os 20 municípios com os piores índices. Estando longe de alcançar as metas previstas no contrato de concessão com a empresa Águas
de Manaus que possui contrato até 2045.
A privatização do saneamento tem sido criticada em muitos países do mundo, desembocando
na reestatização dos serviços. A experiência da gestão privada em Manaus também não tem gerado satisfação na população, principalmente os setores mais vulneráveis. Uma rápida caminhada pelos bairros da periferia é suficiente para perceber a precariedade dos serviços
oferecidos pela empresa. O grupo empresarial não tem interesse em ampliar a qualidade de
vida da cidade, mas sua principal meta é se apropriar ao máximo das riquezas para enviá-la aos
seus investidores que vivem no outro lado do mundo.
Por outro lado, o poder municipal é indiferente aos apelos da população, uma vez que ao longo dos 24 anos de privatização nenhuma consulta foi realizada para medir o grau de satisfação da polução. Os resultados das CPI (Comissões Parlamentares de Inquérito) instauradas pela Câmara Municipal são ignorados pelo gestor municipal, que parece viver numa eterna lua-de-mel com a empresa Águas de Manaus, a despeito do sofrimento da população.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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