
Da Ascom Andi
BRASÍLIA – Após meses fechadas devido à pandemia da Covid-19, diversas creches e pré-escolas no Brasil retomaram seu funcionamento recentemente e outras se preparam para fazer o mesmo nas próximas semanas.
A reabertura dessas instituições, que atendem meninas e garotos de 0 a 5 anos, é um evento complexo. Num país em que 41,7% das crianças dessa faixa etária ainda vivem em domicílios sem acesso a saneamento e 28% das matrículas acontecem em pré-escolas sem esse serviço básico, um retorno seguro, que priorize a saúde e respeite os direitos dessa população, exige muita cautela e depende de avaliações localizadas por parte das autoridades municipais e dos gestores escolares.
“Não dá para falar em reabertura total, ao mesmo tempo e para todos. Temos que saber como estão os alunos, os familiares, os profissionais e as instalações de cada território. Com esse mapa, define-se quem volta”, defende Maria Thereza Marcílio, presidente da Avante – Educação e Mobilização Social, organização não governamental (ONG) com larga experiência no campo da primeira infância.
Segundo a pedagoga, o trabalho precisa envolver as autoridades de educação, saúde e assistência social. É o que afirma também a professora Cida Camarano, do Movimento Interfóruns de Educação Infantil no Brasil (MIEIB). Para ela, a pandemia do coronavírus potencializou a importância de políticas intersetoriais para a primeira infância. “Deve-se pensar em uma reabertura responsável, a partir das condições concretas oferecidas pelas instituições públicas e privadas, com um movimento articulado entre governo, pais, professores”.
O planejamento do retorno, nesse contexto, envolve as creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 e 5 anos), que precisam de mais autonomia nas decisões. “Essas escolas têm de olhar para a sua comunidade, seus espaços e materiais e indicar aos gestores responsáveis de que maneira o atendimento pode ser feito. E não o contrário. Inclusive, olhando em especial para as crianças de famílias mais vulneráveis, que seriam as primeiras a serem trazidas ao atendimento presencial”, sugere Carolina Velho, especialista em primeira infância e pesquisadora do tema educação infantil.
Impactos
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), relativos a 2019, 22% de crianças brasileiras de 0 a 5 anos viviam em situação de extrema pobreza, em domicílios com renda mensal per capita de até 1/4 do salário-mínimo. Quando se fala em renda domiciliar de até meio salário-mínimo, esse índice aumenta para 47,6%.
A desigualdade social determina distintos níveis e condições de vulnerabilidade no que se refere à infância, o que também repercute sobre o retorno aos espaços educacionais. As crianças chegam às unidades de educação vindas de diferentes contextos: se parte delas contou com mais atenção em casa e com acesso a cuidados de higiene, também existem aquelas que não tiveram nenhum apoio personalizado e tampouco desfrutaram de condições adequadas de infraestrutura (caso de quem vive em locais sem saneamento básico – água filtrada, esgotamento sanitário e coleta de lixo).
Há ainda a realidade de famílias que não conseguem aderir ao isolamento social e cujas crianças passam boa parte do tempo nas ruas e em meio a aglomerações. Outro cenário observado no Brasil com relação à pandemia foi a maior procura por creches improvisadas, para atender a pais de baixa renda que tiveram de continuar trabalhando fora de casa. Os espaços irregulares, muitas vezes sem contar com controle de higiene e fiscalização, podem inclusive elevar as chances de propagação do vírus.
Diante dessa realidade, o especialista em educação infantil Vital Didonet pondera que, a depender do caso, a opção de reabertura, ao permitir à criança estar em um ambiente escolar com atividades controladas, pode terminar oferecendo menos riscos, desde que sejam consideradas as condições epidemiológicas locais.
Quanto à estrutura física, Maria Thereza Marcílio acredita que as redes pública e privada de ensino enfrentam alguns desafios semelhantes e que o retorno das creches pagas antes das gratuitas acentua as desigualdades. “Há uma pressão maior vinda das particulares, que enfrentam dificuldades financeiras na pandemia. Mas não se pode esquecer que muitas delas são pequenas, sem área externa e com turmas cheias. Por outro lado, há públicas com ótimos espaços ao ar livre”.
De uma forma ou de outra, destaca a pedagoga, todas precisam ser vistoriadas antes da reabertura. A principal diferença entre elas, aponta, é que “as crianças da rede particular, muito provavelmente, não passaram fome e tiveram quem cuidasse delas durante o isolamento, além de contarem com maior acesso às tecnologias”.