Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – Metrópole no “coração” da Amazônia, Manaus é um contraste à floresta. A cidade é pouco arborizada. Três fatores conspiram para a ausência de árvores entre prédios, casas e avenidas extensas: a falta de apoio da população à preservação da vegetação, bagunça imobiliária com ocupações desordenadas e pressão por uso de áreas de vegetação e margens de igarapés e rios pelo mercado imobiliário.
“Sabe qual é o grande desafio nosso e qual é a melhor estratégia? O desafio é você trazer a população para o seu lado para que ela internalize o cuidado que tem que ter com o ambiente. Por exemplo, margem de leito de igarapé não é para estar sendo invadida”, diz o secretário municipal de Meio Ambiente Antônio Ademir Stroski. Segundo ele, a melhor estratégia para a preservação de áreas verdes é fazer com que as pessoas entendam a importância disso.
Ademir Stroski reconhece que há outros problemas envolvidos. “Mas existe uma situação social também, que é o problema de moradia para as pessoas”.
Especialistas ouvidos pelo ATUAL defendem incentivos econômicos, mais fiscalização, medidas de compensação ecológica com mais impacto, verticalização da cidade e estímulo à educação ambiental.
No último dia 5 de outubro, o caminhão-pipa da Prefeitura de Manaus, usado no programa de arborização Manaus Verde, foi acionado para apagar o incêndio em um trecho do parque linear do Igarapé do Mindu, no bairro Novo Aleixo, zona leste.
Segundo a Prefeitura, o local vem sendo alvo das ações de arborização desde o início do ano, como resposta às constantes tentativas de degradação ambiental da área por meio de construções irregulares.
Crescimento desordenado
O crescimento acelerado e desordenado de Manaus está ligado à questão. “Esta expansão continua e isso se dá de forma ainda desordenada, avançando sobre áreas de florestas e mesmo áreas sujeitas a inundações, como buritizais e várzea”, afirma o ambientalista Carlos Durigan.
Paralelo a isso, a gestora ambiental Rita Taniguchi visualiza uma grande pressão imobiliária em grandes áreas de vegetação próxima de rios, como Ponta Negra, Tarumã e Região Metropolitana de Manaus.
“Essas áreas sofreram grandes alterações em poucas décadas”, afirma. “É fato que a maioria dos empreendimentos suprimem toda a vegetação das áreas onde são construídos. Isso é visível em estacionamentos de condomínios e supermercados”, cita Rita Taniguchi, como exemplo.
Para Durigan e Taniguchi, é preciso que a gestão pública tenha mais controle sobre o uso do solo para combater o desequilíbrio entre áreas verdes e desmatadas.
Daniel Praia Aguiar, bacharel em Engenharia Florestal pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e mestre em Ecologia pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), defende que as medidas de compensação ecológica tenham mais efeito. Para Aguiar, é preciso que a vegetação nativa seja preservada nos próprios empreendimentos, indo além de jardins ou gramados.
“Por exemplo, plantio de mudas em praças e canteiros da cidade. Além dessas mudas, via de regra, não serem de espécies regionais, não contribuem em nada para mitigar os impactos causados no local de estabelecimento do empreendimento”, critica. “Acabam sendo uma solução relativamente simples e barata para o agente degradador, que não se sente inibido em promover novos empreendimentos em áreas de vegetação nativa”, afirma.
Plano Diretor
André Mendonça, professor do Departamento de Ciências Florestais da Faculdade de Ciências Agrárias da Ufam, explica que o equilíbrio ambiental em outras cidades é resultado da educação ambiental e política pública que privilegia as áreas verdes urbanas em detrimento de edificações.
“A política pública precisa fiscalizar e gerenciar o mosaico de áreas verdes urbanas do ponto de vista da conservação e, se preciso, intervir em áreas para que possa se dar espaço para áreas verdes e para a arborização viária”, pontua. Para Mendonça, o Plano Diretor da cidade precisa priorizar a arborização e paisagismo urbanos.
Na avaliação do ambientalista Carlos Durigan se vê poucos resultados efetivos da implementação do Plano Diretor de Manaus, em especial no que se refere à cobertura florestal. “Há um crescente desmatamento em curso em diversas zonas do município, propriedades rurais que não conservam suas reservas legais previstas no Código Florestal e áreas institucionais sendo desmatadas sem controle adequado”, afirma.
De acordo com Durigan, a poluição de rios e igarapés contribui ainda mais para a degradação dos fragmentos florestais existentes.
A engenheira florestal Conceição Vargas afirma que o Plano Diretor de Arborização Urbana precisa de atualizações. Para Vargas, os resultados só devem ser vistos a longo prazo.
“A solução, primeiramente, é o planejamento. Mas como sabemos, nossa cidade cresceu desordenadamente e hoje o desafio é bem maior. Existem ruas que sequer têm um espaço entre o leito carroçável [espaço onde os carros transitam] e a casa, isso implicaria em desapropriações e uma série de outras adversidades”, diz. “Existe bairros onde as portas das casas são na rua, não existe calçadas. Nesse locais é impossível colocar uma árvore”, diz a engenheira florestal.
André Mendonça considera que o plano de arborização urbana é tecnicamente bem construído, mas peca na intensificação de atividades de arborização viária. “Muito por conta da realidade da forma com que a cidade tem seus postes de energia urbana”, diz. Para ele, Manaus precisa plantar árvores e adequar sua rede de transmissão elétrica à existência delas.
O ponto também é levantado pela vice-presidente do CAU-AM (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), Cristiane Sotto. “Há muito tenho discutido com nosso setor de urbanistas, sobre uma ambição: ver as árvores que resistem em nossas calçadas, com grandes e frondosas copas, com 15, 20, 25 metros de altura. Você já percebeu qual a nossa maior dificuldade? Está em nosso conceito errôneo de que a fiação elétrica deve ser preservada ao ponto de, literalmente, destruírem as árvores que subsistem em se manter vivas”, analisa.
Participação popular
André Mendonça entende que apenas o plano de arborização não vai gerar resultados. “É preciso que se conscientize a todos que o investimento em arborização viária e na conservação das matas ciliares [vegetação que se desenvolve às margens de cursos de água] e demais áreas verdes tem um retorno para toda a cidade”.
Cristiano Sotto, do CAU, afirma que a concretização do instrumento se faz pela receptividade e aceitação da própria população. “O poder público é peça importante neste processo, realiza constantemente campanhas de distribuição de mudas, realiza controle e fiscalização em áreas ambientalmente frágeis, aplica sanções e compensações ambientais, leva educação ambiental a todas as escolas públicas, mas é preciso que cada um faça também a sua parte. Que tal se cada morador plantasse uma única árvore em seu quintal?”, pontua.
Nesse sentido, o secretário Antônio Stroski cita ações dentro do Programa Manaus Verde, da Semmas, que envolvem a população, como a doação de mudas em bairros de zonas diferentes toda quarta-feira. “Nós já tivemos doações de 30 mil mudas aproximadamente”, diz. “A gente leva plantas ornamentais, arbustivas e frutíferas”. Stroski afirma que em poucos minutos as mudas acabam e que uma equipe de educação ambiental acompanha ação.
O secretário conta que pelo programa Horto Nosso foram produzidas 75 mil mudas este ano em uma área compartilhada no Ifam (Instituto Federal do Amazonas) na zona leste. Segundo Stroski, há planos para construir um novo centro de produção de mudas em área que ainda deve ser definida. “Porque a demanda nossa para arborização é muito grande”, explica.
Neste ano, até o momento, foram plantas 7 mil mudas de jardinagem e 3 mil árvores, informa o gestor.
O Manaus Verde também conta com parcerias entre secretarias municipais, Poder Legislativo e pesquisadores para troca de conhecimento e ações. “Essas iniciativas institucionais e de pessoas na arborização, nós tivemos um evento esse ano e criamos um grupo chamado ‘Arborizando Manaus’ para que a gente socialize entre essas instituições, suas experiências, informações técnicas”, diz Stroski.
Carlos Durigan também apoia a união com instituições de pesquisa, universidade e representações da sociedade civil para haja ações de gestão do espaço antes dos problemas surgirem. “Infelizmente a realidade que temos é que a gestão acaba trabalhando para remediar problemas e situações negativas já instaladas”, critica.
Conectividade florestal
O secretário afirma que será debatido em 2022 a proposta de conectividade dos fragmentos florestais em Manaus. Segundo Stroski, o avanço da construção civil com falta de planejamento cria áreas de mata isoladas. A ideia é unir esses pontos.
“A gente tem que pensar um pouco nesse planejamento do ponto de vista de construção sustentáveis. E naqueles que no passado não foram observados, mas às vezes próximo de um fragmento tem um outro e fisicamente é possível fazer alguma forma de conectividade, para ter uma troca gênica, seja de plantas ou animais, a gente está tentando fazer isso”, explica.
Stroski diz que a Semmas terá um alinhamento mais próximo com o Implurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano) que é o responsável pela aprovação do parcelamento do solo.
Nesse aspecto, Cristiane Sotto acredita que deve haver uma discussão técnica sobre a verticalização da cidade, que consiste na construção de prédios, reunindo mais espaços e pessoas em uma área menor.
“A verticalização com os parâmetros generosos de nossa legislação urbanística, resultaria em uma morfologia urbana mais integrada, moderna, como menos ‘espraiamento’ de ocupação, além de propiciar a diminuição na temperatura pelo sombreamento de seu entorno imediato”, sugere.
Incentivo
Carlos Durigan defende que em áreas institucionais urbanas que ainda possuem cobertura florestal haja estímulos para que as instituições e proprietários de estabelecimentos privados conservem estas áreas.
A proposta está entre as sugeridas por Rita Taniguchi. A gestora ambiental propõe recuperar áreas com perda crítica de vegetação; apoiar a população a manter os quintais arborizados; combater ocupações irregulares; reavaliar licenças ambientais que autorizam supressão de vegetação em Áreas de Proteção Permanente e criação do IPTU Verde (Imposto Predial e Territorial Urbano) como forma de incentivo à sociedade.
Stroski afirma que o IPTU Verde está em discussão. “A gente deve botar os mecanismos de incentivo econômico sim, dá muito resultado isso. Tem que conversar, porque a Semef (Secretaria Municipal de Finanças) tem que atuar, o Implurb, a Semmas, são várias secretarias que precisam se sentar. E a gente está começando a discutir esses incentivos econômicos, é necessário”.
Espécies ideais
Para ampliação da cobertura verde, Durigan afirma que o ideal é usar espécies nativas e diversificar ao máximo o uso de espécies, como define Plano Diretor de Arborização.
“Em calçadas o pau-pretinho e o oiti são boas opções, em espaços abertos, praças e áreas verdes, pode-se promover a conservação da vegetação nativa e ainda o enriquecimento com espécies como o jatobá, taperebá, açaí, biribá, abiu, samaúma, buriti entre tantas outras”, sugere.
Daniel Aguiar explica que o pau-pretinho (Cenostigma tocantinum), apesar de ser uma espécie bem adaptada a Manaus, é nativa do sudeste dos estados do Pará e Tocantins. Uma alternativa local é a caroba, conhecida como para-pará (Jacaranda copaia). “É uma árvore muito comum em capoeiras e beiras de estradas e ramais. Apresenta crescimento rápido e uma linda floração lilás”, diz.
Aguiar também destaca palmeiras nativas, que seriam um substituto para a palmeira-imperial, como a bacaba (Oenocarpus bacaba). “O que falta talvez sejam pesquisas direcionadas e interesse público em focar nessas espécies”, pontua.
Há também árvores frutíferas como mangueiras, pitangueiras e jambeiros e árvores medicinais, aproveitando o conhecimento tradicional caboclo e indígena para remédios, cosméticos e fitoterápicos naturais, afirma André Mendonça.
“Há que se atentar para o porte de cada uma e o espaço disponível, além do fato de se ter cautela na introdução de exóticas e com as características de raízes e de deiscência [abertura dos frutos para expor as sementes] de frutos para não causar transtornos”, ressalta.
Conceição Vargas também explica que é importante observar o espaço. “Deve-se levar em consideração o espaço que tem para colocar uma árvore, se tem construção próxima. É preciso observar se existe fiação elétrica, haverá conflito futuro dessa árvore com a fiação, com a rede de drenagem, de esgoto, com a calçada, com a iluminação urbana? Todas essas perguntas devem ser feitas antes para depois escolher qual espécie posso plantar”, orienta.