
Por Larissa Garcia, da Folhapress
BRASÍLIA – Mesmo após sucessivas elevações da taxa Selic – índice básico de juros, atualmente em 5,25% ao ano – e aceleração do ciclo de alta de juros, as projeções do mercado para a inflação continuam subindo. Para o Banco Central, a tendência de alta das estimativas é gerada especialmente pelo risco fiscal, quando os agentes econômicos entendem que o desajuste das contas públicas é significativo.
A dificuldade do Banco Central em frear as expectativas põe em xeque a efetividade da política monetária, especialmente com uma inflação que não é de demanda – quando a economia está aquecida pelo consumo -, mas sim reflexo de alta nos custos.
Além disso, o peso do risco de deterioração das contas públicas na inflação reacendeu entre economistas discussões sobre a possibilidade de que o país entre em dominância fiscal, quando a política monetária depende do controle das contas públicas e da dívida para conter a inflação.
Nesse cenário, quando o BC eleva a taxa básica de juros, a dívida aumenta a ponto de gerar mais inflação.
São frequentes os ruídos em torno da política fiscal. Na última semana, dúvidas em relação ao custeio do novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, e ao pagamento de precatórios (dívidas do governo na Justiça) provocaram alta volatilidade no mercado.
O quadro de instabilidade política e fiscal deve se agravar até as eleições de 2022, tornando o ambiente ainda mais desafiador para o BC.
Para a economista Marília Fontes, fundadora da casa de análises Nord Research, o país só entraria em dominância fiscal caso o teto de gastos, mecanismo criado para limitar os desembolsos do governo, fosse rompido.
“Acredito que se retirar o teto de gastos, o país entra quase que imediatamente em dominância fiscal, porque o prêmio de risco (valor adicionado nos juros pelo risco) deve aumentar muito no juro longo, a ponto de afetar a inflação”, avalia a especialista.
Para ela, o governo precisa gerar um gasto permanente relevante fora do teto para que isso ocorra. “O auxílio emergencial custou mais do que se estimava economizar com a reforma da Previdência, mas o mercado não penalizou porque entendeu que, mesmo sendo um gasto relevante, não seria permanente”, lembrou Fontes.
Segundo a ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC, publicada na terça-feira (10), dentro do cenário básico as expectativas para 2022 e para 2023 estariam alinhadas à meta.
“O Comitê ponderou que os riscos fiscais continuam implicando um viés de alta nas projeções. Essa assimetria no balanço de riscos afeta o grau apropriado de estímulo monetário, justificando assim uma trajetória para a política monetária mais contracionista (com juros mais altos) do que a utilizada no cenário básico”, justificou o documento.
Para 2021, há consenso no mercado e no BC de que a inflação deverá estourar a meta fixada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), de 3,75% –com 1,5 ponto percentual de tolerância para cima e para baixo.
Hoje, o Copom já mira a inflação de 2022 e 2023, no chamado horizonte relevante, para quando o comitê entende que a política monetária pode fazer efeito, com metas de 3,5% e 3,25%, respectivamente.
De acordo com o boletim Focus, em que o BC divulga as expectativas do mercado, a expectativa é que este ano encerre com alta de 7,05% no índice de preços, acima do máximo definido para o ano, de 5,25%. Há um mês, os economistas esperavam 6,31%.
As projeções para 2022 também cresceram. No último Focus, a expectativa era de 3,90%, contra 3,75% há um mês. No primeiro relatório do ano, coletado em 8 de janeiro, o mercado esperava 3,34%.
Quando a inflação não fica dentro do intervalo determinado pelo CMN para o ano, o presidente do BC precisa escrever uma carta aberta ao presidente do conselho, que é o ministro da Economia, Paulo Guedes, para explicar os motivos.
Diante disso, na semana passada, o Copom elevou a Selic em 1 ponto percentual, maior alta em 18 anos. Os juros foram para 5,25% ao ano. Para a próxima reunião, em setembro, o Comitê indicou que fará nova alta na mesma magnitude.
Com a decisão, o BC acelerou o ritmo do ciclo de aperto monetário, que vinha sendo de alta de 0,75 ponto nos encontros anteriores.
O chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre e ex-diretor do BC, José Júlio Senna, contra-argumenta que as expectativas dentro do horizonte relevante, que deixa 2021 de fora, estão ancoradas, mas que o BC precisa fazer um esforço enorme para evitar que sejam desancoradas e saiam da meta.
“Em 2022 as expectativas estão ligeiramente acima da meta, o BC age agora para evitar que haja deterioração desse cenário. O problema é que para segurar as expectativas está sendo necessário um esforço muito grande de aumento de juros”, diz.
Para ele, o risco fiscal é importante dentro da inflação, mas há um componente novo agindo na aceleração de preços, que surgiu com a pandemia de Covid-19.
“A discussão em torno da inflação está ocorrendo no mundo inteiro e não sabemos quanto tempo vai durar, é difícil prever. Tivemos um choque duplo, de oferta, que afetou a cadeia produtiva, e de demanda, na pandemia o consumo foi desviado de serviços para bens”, explica.
O país passou por choques sucessivos – e alguns simultâneos – nos preços. Em pouco tempo houve alta em alimentos, impacto das commodities, além do encarecimento de combustíveis. Agora, a crise hídrica elevou o valor da energia elétrica e, junto com a retomada do setor de serviços, devem gerar mais inflação no curto prazo.
“Subir os juros não vai derrubar imediatamente preços impactados por choques (que não são de aumento de demanda), mas pode impedir que se propaguem por toda a economia”, analisa Senna.
O ex-diretor do BC afirma que, se o país estivesse em dominância fiscal, a política monetária perderia o efeito.
“O risco está presente, mas estamos longe disso. Sob dominância fiscal a política monetária não produz mais efeito sobre as expectativas. O esforço é grande, mas o BC está conseguindo manter e está empenhado”, destaca.
Na visão do economista-chefe da consultoria Análise Econômica, André Galhardo, a desancoragem de expectativas deriva de outros fatores, mas o BC costuma atribuir à questão fiscal com recorrência e quase que com exclusividade.
“O problema deriva também da questão fiscal, porque quem precifica é o próprio mercado, mas outros fatores, talvez até mais importantes, também causam elevação das expectativas, mas o BC tem abordado muito pouco”, afirma.
Galhardo diz que os componentes transitórios que exercem pressão sobre a inflação estão mais persistentes que o esperado inicialmente.
O economista diz acreditar que as eleições de 2022 podem ser um gatilho para que o país entre em dominância fiscal.
“Além de outras questões, uma possível desvalorização cambial (gerada pelas eleições) poderia gerar mais inflação e demandar uma resposta mais agressiva do BC, o que elevaria o custo da dívida. Com o aumento do prêmio de risco (desconfiança do mercado) sobre a disciplina fiscal, isso poderia trazer a dominância fiscal para a pauta do dia”, afirma.