Por Rubens Valente, da Folhapress
BRUMADINHO – Na manhã da sexta-feira, 25, o bombeiro hidráulico Ernando Luiz de Almeida, 45, foi verificar a falta d’água na ampla casa de oito quartos que sua amiga, a professora universitária e secretária municipal de ação social Sirlei Ribeiro, 48, tinha num sítio cercado de mata a poucos metros do pátio de operações da Vale na Mina do Feijão, em Brumadinho. Ele parou sua moto e foi em direção a Sirlei, que saiu da casa já comentando que havia um barulho estranho no ar. “Que bagunça é essa, que zoeira é essa?”, indagou Sirlei, segundo a memória de Almeida. Ele então reparou no barulho e sugeriu que podia ser um caminhão.
Almeida disse que então olhou para a direita e viu o muro balançar, “todo mudado, andando”. Em instantes, o céu ficou coberto por uma nuvem de poeira. “O céu tudo escuro, escuro. Só deu tempo para eu gritar ‘Sai, Sirlei, sai, corre, corre'”, disse Almeida, que virou à esquerda e correu. Uma empregada na casa de Sirlei, Lita, foi junto. Quando chegou a uma pequena elevação, Almeida olhou para trás.
“Eu vi, posso ter tido uma ilusão de ótica, mas acho que vi a Sirlei no mesmo lugar [parada]. Eu vi que [a lama] pegou a casa, jogou para cima e caiu. Até então eu não tinha noção que era a barragem”, disse Almeida. Após correr uns 500 metros, Almeida e a acompanhante encontraram na estrada um desconhecido num Fiat Uno e saíram em disparada com o carro. Passaram por baixo de um viaduto que desabou instantes depois. “Quando olhei para trás, o viaduto abriu as pernas. Nós fomos as últimas pessoas a passar pelo viaduto.”
Almeida é a imagem da desolação pela perda de Sirlei, cujo corpo foi velado em Brumadinho (MG) nesta quarta-feira, 30. “Nós não perdemos uma amiga, a comunidade perdeu uma mãe”, disse o morador do Córrego do Feijão, um bairro rural com cerca de 400 moradores.
Ele lembra que Sirlei era uma crítica costumeira da Vale e dizia temer pela segurança da barragem da mina do Feijão. “Lembro de uma reunião em que ela peitou o pessoal da Vale aqui no centro comunitário. Ela não tinha medo, não. Se ela estivesse aqui hoje, já tinha incendiado esse povo para resolver as coisas”, disse Almeida.
Sirlei era nascida no Córrego e uma defensora ferrenha dos seus moradores, segundo vários relatos coletados pela Folha no bairro, que a chamam de “doutora Sirlei”. “Ela era muito boa. No dia de Papai Noel, ela veio cá e me deu uma escova de dentes, um creme e uma sacolinha de bombom e bala. Na camionete do marido dela, eles davam presente para criança, adulto, todo ano. Ela trazia roupas para dar aos outros. Ela deu um colchão para minha filha. Olha, Deus vai ter o reino do céu para ela. Gente boa não pode morrer, não”, disse Irany Paiva, 65, que vive há 15 anos no Córrego do Feijão.
Jeferson Custódio, 19, era um dos estudantes da turma de Sirlei em Direito na Faculdade ASA de Brumadinho. Era vista como uma professora rígida, mas ao mesmo tempo “amiga e carinhosa com os alunos”. “Ela sempre dizia que as mineradoras deixavam a desejar com os moradores do Córrego e que podiam fazer mais pela comunidade” , disse Custódio, que teve uma avó, Diomar, desaparecida após a rompimento da barragem. Ela trabalhava na casa dos donos da pousada Nova Estância. As duas construções também foram devastadas pela lama.