Demorou, mas até que enfim as instituições começaram a tomar medidas para enfrentar o principal instrumento da escalada autoritária no tempo atual – as fake news.
Trata-se da operação da Polícia Federal (PF), autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, no inquérito que apura a produção de informações falsas e ameaças ao Supremo Tribunal Federal. Ao todo, a operação da PF realizou 29 mandados de busca e apreensão, em 27.05.2020 (quinta-feira), e alcançou aliados do atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro, como o empresário da havan – Luciano Hang, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, os blogueiros Allan dos Santos e Winston Lima. Essa operação entra para a história como um marco no combate às fake news como método e instrumento da proliferação do autoritarismo.
As fake news constituem os principais expedientes pós-modernos para disseminar o autoritarismo nesse tempo de pós-verdade e de graves ataques aos regimes democráticos. Tais ferramentas do obscurantismo, da logospirataria e da violência política alcançam um enorme número de pessoas simultaneamente, propagando torrentes de desinformações forjadas a partir de conteúdos fraudulentos, incompletos, manipuladoramente parciais, desonrosos, fomentadores de ódio, ira, mentiras e posturas políticas retrógadas, irracionais, identificadas com o que há de pior na história das ideias e das práticas política da humanidade: militarismo, fascismo, nazismo, stalinismo…
Esses instrumentos do caos pós-moderno influenciaram decisivamente as últimas eleições gerais, ocorridas tanto nos Estados Unidos como no Brasil. E abriram a tampa do esgoto das imundícies políticas, permitindo que elas novamente viessem à tona em países como os EUA e o Brasil. Essas obscuras tendências passaram a controlar orçamentos públicos, máquinas administrativas e a cooptar segmentos da sociedade, a exemplo de facções entre militares, entre empresários, entre trabalhadores privados e entre funcionários públicos, apesar de tantos alertas, ventos desfavoráveis e danosos.
O obscurantismo disseminado com as fake news confundiu as consciências, entorpecendo-as com ideologias ultrapassadas, manipulando discursos que fomentaram a divisão da sociedade em polos de irracionalidades com potencial para a violência, a insegurança pública e o terror social. Essa escalada autoritária retardou e fez regredir as perspectivas de avanço democrático aonde chegou. Não é mera coincidência o padrão de comportamento da polícia norte-americana para com os cidadãos negros, que resultou na execução de George Floyd, assim como não é também com a população das favelas brasileiras. O racismo é, em si, fruto do autoritarismo de um grupo humano imposto a outro.
No Brasil, declinou-se ao ponto de não se ter mais politica de cultura, de educação e de segurança pública com alguma efetividade. A política econômica não alcança resultados produtivos e sociais significativos, mantendo o país refém do financismo. Por outro lado, afunda-se numa grave crise político-institucional, protagonizada pelo chefe do Executivo federal que ameaça os demais poderes e as instituições, sabotando a autonomia das mesmas. O oneroso autocrata tenta impor à condição de serviçais de si mesmo e da própria família toda a máquina estatal, os poderes e os órgãos da administração pública, inclusive de modo a assegurar sua própria impunidade e dos seus. Uma decadência histórica do país enquanto projeto de nação e de Estado.
É nesse contexto que a onda pandêmica alcançou o Brasil e converteu-se na principal problemática pública, colapsando o SUS (Sistema Único de Saúde) e alastrando-se pelo interior do país. A Covid-19 fez dezenas de milhares de vítimas fatais – já são quase trinta mil. As recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) foram desprestigiadas. O isolamento e o distanciamento social foram desestimulados. Os ministros da saúde de perfil técnico, médicos, foram destituídos e, em lugar dos mesmos, para atender aos palpites e ambições do autocrata miliciano e seus cúmplices, foi-se designado mais um militar. A máquina estatal, com isso, acabou inchada e infestada de militares gananciosos e talvez golpistas. Lamentável exemplo de militarização da máquina pública federal num país de que se empenha para edificar uma tradição democrática.
Enquanto isso, o atual ocupante da presidência estimula aglomerações públicas e delas participa sem conseguir liderar o país no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, buscando apenas fomentar a polarização jogo político para tentar ser reeleger em 2002 ou levar o país a uma situação que justifique a imposição de um golpe de estado. E faz isso usando perfis falsos, robôs e redes de disseminação das execráveis fake news, alegando liberdade de expressão.
Abusa do direito à liberdade de expressão e o confunde intencionalmente com delitos virtuais com vistas a para propagar conteúdos falsos, manipular o ódio ideológico, fomentar crimes contra a honra, fazer apologia à subcultura das armas e à ideologia do inimigo, tentar impor um governo de poderes ilimitados que ignora os demais direitos fundamentais.
Os provedores de internet são corresponsáveis pelos conteúdos postados pelos usuários e todos devem ser responsabilizados solidariamente por tais delitos, assim como apurados os patrocinadores dessa rede de robôs e financiadores de fake news tão nefastas às perspectivas de democracia no país.
Por isso, retomando as investigações do inquérito que apura as falsas informações e ameaças contra o STF, a operação da PF do dia 27.05 é uma referência essencial a ser celebrada e relembrada como um valoroso marco de dimensão histórica no combate às fake news e às sombrias forças políticas que tentam empurrar o Brasil na direção do abismo do autoritarismo, do militarismo, da insegurança e do obscurantismo cultural, político e científico. Congratulações à operação da PF e ao ministro Alexandre de Moraes! Parabéns!
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