Embora tenha registro em todas as épocas e contextos, o crescente número de suicídios no Brasil atual é revelador de um ambiente social inseguro. Destoando da tendência de queda em todo o mundo, a taxa de suicídio no Brasil é crescente entre os adolescentes e jovens, principalmente entre os que vivem em metrópoles.
De acordo com recente pesquisa da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a taxa de suicídio entre adolescentes que vivem nas grandes cidades brasileiras aumentou 24% entre 2006 e 2015. Informa a pesquisa, publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria, que o suicídio é até três vezes maior entre jovens do sexo masculino.
O estudo ainda apontou que a popularização da internet, as mudanças deterioradoras das condições sociais de qualidade de vida no país e a falta de políticas públicas de combate ao suicídio constituem os principais motivos para esse aumento de suicídios entre os jovens brasileiros.
No Brasil, a cidade com maior taxa de suicídio é Belo Horizonte: 3,13 para cada 100 mil habitantes em 2015. A capital mineira é seguida por Porto Alegre (2,93), São Paulo (2,44), Rio de Janeiro (1,52), Recife (1,23) e Salvador (0,23). Na média, o aumento do índice foi de 24%, ao subir de 1,60 para 1,99 entre 2006 e 2015. Ao todo, 20.445 adolescentes tiraram a própria vida apenas no ano de 2015.
Os pesquisadores utilizaram dados do SUS (Sistema Único de Saúde), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Coeficiente Gini (que mede desigualdade) para chegar às conclusões acima expostas. Elas revelam o quanto um ambiente social inseguro, violento e de extrema desigualdade social concorre para aumentar a taxa de suicídio no Brasil, sobretudo entre adolescentes e jovens. São esses fatores sociais que, muito frequentemente, criam um ambiente de ansiedades, stress e fomentam o surgimento de doenças mentais, como a depressão, uma das grandes causas imediatas do suicídio. Corroboram-se assim as considerações de Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo francês, de que os deflagradores do suicídio decorrem muito mais de fatores sociais do que aspectos internos dos indivíduos.
Para Durkheim, o suicídio é “todo o caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado”. No entendimento desse fundador da sociologia, em cada sociedade ocorrerão determinadas mortes por conta de suicídios e o que importa à sociologia sobre essas mortes voluntárias é a análise de todo o processo social, dos fatores sociais que agem não sobre os indivíduos isolados, mas sobre o grupo, sobre o conjunto da sociedade.
Com a identificação das “causas sociais”, parte-se a seguir para a categorização ou classificação dos tipos de suicídio, que podem ser: o suicídio egoísta, o suicídio altruísta e o suicídio anômico. Cada sociedade adota, de acordo com o momento histórico, uma atitude em relação ao suicídio. Segundo Émile Durkheim, “a taxa de suicídios constitui, portanto, uma ordem de fatos única e determinada; é o que demonstram, ao mesmo tempo, sua permanência e sua variabilidade.”
A partir dos fatores sociais de insegurança pública, estruturas e pressões sobre a coletividade desenrolam-se e se manifestam questões individuais, psíquicas, emocionais que atuam e influem para a ocorrência do resultado – o suicídio. Subtrair-se da própria vida é medida extrema, quase sempre dolorosa, sobretudo do ponto de vista emocional, pois a dor física não costuma ser maior do que a psíquica. De certa forma, uma dor que não teve remédio nem foi devidamente percebida e tratada no tempo hábil. Uma dor que se fez maior que o mundo, maior que todos, e ceifou uma vida humana.
Qualquer vida humana tem seus fardos, suas pressões e seus danos. Sejam quais forem, corroboram aquele ensinamento de que cada um carrega e suporta o “peso da própria cruz”. Nesse sentido, pode-se afirmar que há certos “pesos” existenciais aturados por todos. São os fatores sociais que formam o pano de fundo no qual despontam os individuais e, juntos, acabam por levar a pessoa ao suicídio.
Há diversas razões ou fatores que compõe esse “peso existencial”: motivos socioeconômicos, sociopolíticos, socioculturais, religiosos, ideológicos, étnicos, de raça, de origem, de sexo, emocionais, psíquicos etc. O suicídio é fenômeno histórico, um fato social, mas na atualidade o quantitativo dele tem se elevado significativamente, de modo especial entre os jovens brasileiros. A prática de dar cabo intencionalmente à própria vida vem tomando dimensões preocupantes ao ponto de se constituir também, por si só, num indicador de ambiente social inseguro e instável.
É fato que as tecnologias da informação, as mídias sociais, as redes virtuais de relacionamento ampliaram significativamente a interatividade, a exposição e o bullying de um modo geral, dentre outras fontes de frustração e de danos. O ambiente de insegurança pública, desgovernança política-institucional, e crônica crise socioeconômica constituem fatores gerais para o fomento de certas doenças. Por isso, é fundamental a existência de políticas públicas para lidar e combater a realidade da expansão do suicídio na sociedade brasileira, em especial entre os mais jovens.
Ao lado disso, cabe a qualquer um ser solidário com quem está passando por momentos de crise que podem resultar em desfechos trágicos intencionais, como o suicídio. É preciso estar atento para perceber quando estiver pesado demais, quando o fardo se tornar insuportável, quando não é mais possível lidar com ele a sós. Então, a partir desse momento, toda ajuda é necessária e relevante. Captar o sofrimento do outro e socorrê-lo nessa fase, torna o fardo mais leve e pode salvar vidas enquanto nos torna gratificantemente mais humanos.
Por fim, cumpre relembrar a importância do dia 10 de setembro, dia internacional da prevenção ao suicídio, criado em 2003 pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e pela Organização Mundial de Saúde, com vistas a mobilizar a sociedade global e os administradores públicos para a adoção de estratégias e ações preventivas ao suicídio. Trata-se também de promover, em certa medida, um ambiente social menos inseguro e mais favorável à valorização da vida humana.
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