Os acontecimentos do dia 08 de janeiro, em Brasília, chocaram não somente o Brasil, mas o mundo inteiro. São cenas de agressão que passam à margem da civilidade e do bom-senso. Atitudes que ferem a sensibilidade brasileira e desprezam símbolos de conquistas alcançadas a duras penas ao longo da história.
Ações que golpeiam ao mais frágil sentido patriótico. Foi possível notar com evidência o ódio à democracia e a todos os esforços empregados na sua construção, manutenção e aperfeiçoamento.
Embora represente o pensamento e a conduta de uma minoria, a invasão e a depredação simbólica das sedes dos Três Poderes da República – o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal – sugerem a necessidade de o Brasil se emprenhar na formação democrática e cidadã da sua população.
É preciso criar condições para que o país avance em projetos que promovam não somente o respeito formal às normas e instituições democráticas, mas também a convivência com o diferente, superando paradigmas defasados, preconceitos e tensões.
As crises mundiais e nacionais que atravessamos nos colocam desafios que tornam imprescindíveis a busca de uma convivência minimamente harmônica e suficiente para ensaiar saídas dignas e adequadas. Para construirmos tais condições é necessário primeiramente romper o individualismo, pensando para além das bolhas ideológicas e separações beligerantes.
Vivemos numa encruzilhada histórica, cujas decisões exigem o compromisso de toda a nação. Precisamos construir um núcleo comum de questionamento que possibilite a comunicação respeitosa e supere as vaidades individuais e corporativas, nos possibilitando viver em conjunto.
A sociedade contemporânea nos apresenta uma crise social, ética e ambiental, que nos nega o luxo de perdermos tempo precioso em divisões e tensões alienantes. A ampliação das desigualdades causadas por um sistema econômico injusto, que leva milhares de pessoas à fome e a miséria constitui um apelo ético que compromete cada ser humano. A destruição da natureza, produzida por uma mentalidade medíocre e suicida coage todas as pessoas e instituições a repensarem as suas concepções e relações com o meio ambiente.
Guerras injustas que abatem pessoas inocentes impõem a necessidade de construirmos a vida social em bases diferentes das nossas. Pandemias provocadas pelos nossos estilos de vida descuidados e predatórios que banalizam a morte dos seres humanos deveriam aguçar nossa capacidade colaborativa e desenvolver a nossa abertura para o acolhimento do outro, independente da sua raça, classe, gênero e religião.
A mercantilização dos bens comuns, que transformam direitos essenciais em estratégia de lucro para poucos (saneamento, saúde, escola), dificultando a vida dos mais pobres, deveria nos ensinar que o mercado não é a solução para todos os nossos problemas sociais.
Esses desafios deveriam atrair a atenção de todos os setores sociais, aglutinando iniciativas sustentáveis e impulsionando nossa intuição para a solidariedade, uma vez que vivemos num mundo globalizado e compartilhamos a mesma humanidade. Uma pessoa minimamente ética não passa ao largo dessas questões, pois são desafios que repercutem na sua auto-compreensão e definem o seu lugar na sociedade e no mundo.
O terror, a violência e a intolerância são os caminhos mais fáceis de percorrer, pois nos livram da responsabilidade do diálogo e da aprendizagem coletiva, nos instalando na ignorância e na brutalidade. Trata-se do caminho mais fácil, caminho dos fracos e acomodados. Não conseguiram romper o seu círculo vicioso e sua estreiteza cognitiva. Renunciaram o desafio da evolução e se prenderam ao seu horizonte precário, seguindo um mito medíocre, que não tem nada a ensinar e se recusa a aprender.
A democracia é o regime político mais adequado para abarcar a nossa complexidade e pluralidade, mas os eventos dramáticos do início desse mês mostram que o Brasil não deve se contentar com a sua edição liberal, inimiga dos pobres. Ela busca ser aprofundada para impactar a vida dos brasileiros (as), garantindo dignidade e cidadania plena. É preciso democratizar!
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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