Por Amanda Lemos, da Folhapress
SÃO PAULO – Em 2017, uma reportagem da revista The Economist definiu dados pessoais como o novo petróleo do século 21. Desde então, big techs como a Amazon já compraram da rede de supermercados Whole Foods à de clínicas One Medical. Em comum, essas empresas lidam com uma quantidade incontável de dados de usuários.
A movimentação mais recente da gigante fundada por Jeff Bezos foi a aquisição da iRobot, empresa conhecida por seu aspirador-robô Roomba, capaz de mapear a residência para o desempenho de suas tarefas domésticas. O negócio de US$ 1,7 bilhão levantou novamente a discussão, que vem ganhando espaço nos últimos anos, sobre privacidade.
Hoje, a Amazon, cujo carro-chefe é o ecommerce, é também uma das maiores provedoras de serviços de nuvem dos EUA, uma plataforma de streaming, dona da produtora MGM e de marcas de produtos eletrônicos domésticos e de serviços pessoais.
André Neto, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da FGV, afirma que negócios envolvendo big techs e empresas de setores dos mais variados vêm crescendo.
“A decisão [da Amazon] é cada vez mais entrar na casa do usuário. Quando a Amazon compra a iRobot, ela está adquirindo um pacote para estar em milhões de residências coletando informações”, disse.
Em nota, a Amazon afirma que a proteção dos dados dos usuários sempre foi importante para a empresa. “Acreditamos que temos feito um bom trabalho no cuidado dos dados das pessoas em todos os nossos negócios”.
Ao comprar a iRobot, a Amazon está de olho em dados comportamentais do usuário, na sua intimidade quando está em casa, diz João Victor Archegas, pesquisador sênior de direito e tecnologia do ITS-Rio.
“Comprar novas empresas para coletar e processar dados é cada vez mais um movimento onipresente”, afirma. “É a captura da atenção: quanto mais conquistar o usuário, mais dados ele compartilha e, assim, permite prever comportamentos futuros para posicionar marcas”.
Esse cenário, que até há pouco tempo seria visto como roteiro de ficção científica, hoje já tem categoria econômica: é o chamado “capitalismo de vigilância”, afirma Archegas.
A expressão, popularizada pela professora americana Shoshana Zuboff, designa um capitalismo em que o processo de acumulação baseia-se na coleta de dados pessoais sensíveis e de perfis de consumo.
As movimentações da Amazon preocupam pela habilidade em processar dados e em criar novas tecnologias, como a assistente virtual Alexa, que consegue traçar um perfil de consumo do usuário, diz André Neto. No caso da One Medical, empresa de saúde especializada em atendimento virtual e comprada pela Amazon por US$ 3,9 bilhões, o atrativo são os dados de saúde de usuários.
Segundo Marina Garrote, pesquisadora na Associação de Pesquisa Data Privacy Brasil, o negócio vai permitir que a Amazon observe desde o que um paciente come a quanto ele corre – monitoramento que não é totalmente regulado por lei nos Estados Unidos.
O domínio sobre dados por uma empresa é um fator que não costuma ser considerado nas legislações sobre concorrência, ainda mais centradas em preços, diz Marina.
A LGPD (Lei Geral de Proteção de dados), aprovada no Brasil em 2020, tem como objetivo dar transparência a que dados são coletados e o que é feito com eles.
“E não acho que precisamos ter medo da tecnologia. Apesar de podermos e devermos fazer essa avaliação de risco. É importante que eu, o usuário, saiba o que está acontecendo. A legislação vem para regular esse fluxo”, afirma Helena Secaf, advogada e pesquisadora na Data Privacy Brasil.