MANAUS – Dentro de alguns dias deverá sair resultado da sindicância aberta pelo CRM (Conselho Regional de Medicina) que investiga procedimento cirúrgico realizado há 1 mês no Hospital e Pronto-Socorro Infantil da Zona Leste (o Joãozinho), em Manaus. A investigação partiu de fotos divulgadas nas redes sociais, onde o cirurgião aparece realizando cirurgia em um recém-nascido portador de encefalocele occipital (má formação do crânio). Nas imagens, o profissional realiza o procedimento sem ajuda de auxiliar, e amarra uma parte da lesão no próprio foco cirúrgico.
Para o CRM, há indícios claros de rompimento do Código de Ética Médica. “O acontecimento está em sindicância, isso significa que estamos apurando ainda o que ocorreu e se houve rompimento de algum princípio do Código de Ética. Pelos indícios, acho pouco provável que não tenha ocorrido, mas isso quem vai apontar é a sindicância”, afirma o presidente do Conselho, José Bernardes Sobrinho.
Comprovado os indícios, o CRM abrirá um processo ético profissional, que deve percorrer quatro fases até a possível condenação do cirurgião. “É um procedimento mais aprofundado e consiste em instrução, relatoria, revisão e julgamento”, afirma Bernardes Sobrinho. Nessa última fase, o denunciado tem direito a ampla defesa. O resultado final pode ser absolvição ou a cassação do diploma do profissional.
Para o presidente do CRM, há dois agravantes na presente situação. O primeiro é realizar a cirurgia sem a ajuda de auxiliar. “Nesse caso, aconselhamos que utilizem até mesmo ajuda de acadêmicos de medicina, mas de maneira solitária, não. Isso é muito grave”, afirma. Segundo, é a utilização de outros objetos que não sejam materiais cirúrgicos para realizarem o procedimento. “Isso aumenta consideravelmente o risco de contaminação, contribuindo para uma infecção”, explica Bernardes Sobrinho.
A Resolução nº 1.490/98, do CFM (Conselho Federal de Medicina), estabelece a “obrigatoriedade de médico como auxiliar, capacitado e habilitado, para substituir em caso de impedimento o cirurgião assistente na cirurgia em andamento, objetiva unicamente a segurança e a boa assistência ao paciente, sendo esta determinação tão importante que se sobrepõe a qualquer dificuldade porventura existente para a sua efetivação”.
A equipe do AMAZONAS ATUAL ao tentar encontrar informações sobre o médico que realizou a cirurgia, para que o mesmo explicasse o motivo de tal procedimento, foi informada pelo Conselho Regional de Medicina que o processo ocorre sob sigilo. Por esse motivo, o CRM não disponibiliza nenhum dado do profissional. O Sindicato dos Médicos, informou que não dispõe de informação tão precisas sobre o caso.
Estado
Quando questionado a respeito da saúde no Estado e se a falta de recursos financeiros em função da crise econômica teria o motivo para realização do procedimento cirúrgico nessas condições, o presidente do CRM informou que a saúde no Amazonas está “precária, como nunca havia se visto”, mas não fez relação entre a cirurgia em questão. “Nesse caso, o profissional deveria ter pedido da sua cooperativa um profissional para acompanhá-lo no procedimento”, explicou Bernardes Sobrinho.
A Susam (Secretaria Estadual de Saúde) informou que o procedimento ao qual o recém-nascido mencionado pela reportagem foi submetido transcorreu de forma satisfatória, e a criança retornou no mesmo dia à maternidade de origem – Instituto da Mulher Dona Lindu. “Posteriormente, voltou ao Joãozinho para procedimento complementar (colocação de válvulas), o que estava previsto como parte do seu tratamento, e já recebeu alta hospitalar”, informou a Susam.
Encefalocele occipital
Encefalocele occipital é uma má formação em que o crânio não se fecha na parte posterior da cabeça. Através do defeito do crânio, o cérebro, artérias e membranas se deslocam, formando um saco coberto de pele. Nestes casos, o paciente ser operado com técnica meticulosa, para evitar hemorragias e outros problemas.
Por se uma cirurgia de alto risco, sempre deve ser feita com equipe completa, o que inclui anestesista e dois neurocirurgiões, pois trata-se de recém-nascido de muito baixo peso, onde qualquer sangramento pode ser muito prejudicial. Operar sozinho implica em maior tempo cirúrgico e anestésico e, em consequência, maior risco.
Apesar de nenhum profissional da área querer falar publicamente sobre o caso, o fato de o médico ter operado sozinho foi questionado severamente pelos anestesistas. Para eles, o neurocirurgião, numa atitude no mínimo imprudente, utilizou um artifício perigoso para conseguir operar: como as imagens mostram, usou pinças para amarrar a lesão da criança ao foco cirúrgico (espécie de lustre) que fica no teto.