
Por Milton Almeida, do ATUAL
MANAUS – Com espaço cada vez mais escasso nos cemitérios e o custo de manter sepulturas, a cremação é uma alternativa ao sepultamento tradicional, mas a prática ainda esbarra em questões culturais e religiosas.
Em Manaus, houve ligeiro aumento na cremação de cadáveres humanos em 2024 em relação ao ano anterior. Foram 183 cremações em 2023 e 198 no ano passado, alta de 8,2%, segundo a Semulsp (Secretaria Municipal de Limpeza Urbana), que administra dez cemitérios públicos, sendo seis na capital e quatro na zona rural, e tem o controle sobre os sepultamentos nos cemitérios privados e crematório.
Esse número de cremação representa 1,8% do total de sepultamentos em Manaus, que tem em média 30 sepultamentos por dia. A média é de uma cremação a cada dois dias.
A secretaria informa que o único cemitério com espaço disponível para novos sepultamentos é o Nossa Senhora de Aparecida (Tarumã), na zona oeste da cidade. E o único crematório em Manaus é privado, segundo o Sesfeam (Sindicato das Empresas do Setor Funerário do Estado do Amazonas e Municípios).
O processo é burocrático. A empresa Amazon Crematórios informa que o serviço deve ser contratado por uma funerária, é preciso obter documentos como a declaração de óbito assinada por médicos, assinatura de testemunhas e autorização de um responsável.
Com um custo médio de R$ 5 mil, o corpo deve ser transladado por uma funerária até o crematório, mas as famílias em situação de vulnerabilidade social podem ter gratuidade se desejam o serviço, que é custeado pela prefeitura, no caso de Manaus.
“Toda cremação é individual e por ordem de liberação da documentação jurídica. Após a cerimônia, o corpo é mantido em câmera fria para preservação. O técnico responsável pelo forno só retira os acessórios metálicos do caixão e o vidro. O prazo de entrega das cinzas é de 10 dias úteis. Depois, os funcionários do atendimento entram em contato com a família para ser feita a entrega das cinzas”, diz Queila Dias, diretora comercial da Amazon Crematório.
O corpo é cremado dentro do caixão.
No caso de mortes violentas, além da permissão de um familiar, a cremação precisa de autorização judicial. Se a vítima deixa um testamento que informe o seu desejo, o documento deve ser apresentado em uma funerária contratada para o velório.
“Para mortes violentas a família precisa de um alvará judicial dando autorização para a cremação. Quando é uma pessoa que não tem nenhum familiar, vai depender de onde o falecido foi removido. E nesse caso, somente com ordem judicial”, diz Dias.

A cremação, inclusive, está prevista na lei federal 6.015/73.
Para além da morte
O antropólogo Lino João Neves, da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), diz que a cremação depende da cultura. “A cremação é uma prática tradicional ou costumeira em povos indígenas das Américas. Na Índia é uma prática ancestral e tradicional, como forma de agradecer aos deuses a existência daquela pessoa que morreu e como uma forma de despedida. Se não queremos falar de religiosidade, termo mais reservado ao mundo cristão, podemos dizer que é uma prática espiritual. Podemos citar como exemplo os povos indígenas Yanomami, que fazem a cremação dos seus mortos”.
O antropólogo afirma que para os cristãos ainda há um certo receio quando o assunto é cremação pela questão da ressurreição mencionada na Bíblia, no Evangelho de Mateus 27:52-54 e em Coríntios 15:20–22.
“Para o mundo cristão, a cremação não seria uma prática conveniente. Como aconteceria o encontro com o Criador se o corpo deixou de existir? Mas o mundo passa por transformações sociais, hábitos, modos de vida, pensamentos… E nessas transformações está a cremação que se impõe no mundo moderno porque há uma escassez de terrenos disponíveis para os cemitérios e isso se reflete nos grandes centros urbanos”, diz Lino.
Segundo ele, nas cidades do interior (comunidades rurais e sedes de municípios com baixo IDH) o enterro tradicional ainda é o padrão porque a cremação é cara.
Questão ambiental
Para Cristiano Viana, presidente do Sesfeam (Sindicato das Empresas do Setor Funerário do Estado do Amazonas e Municípios), o ato da cremação está relacionado também com questões ambientais e de espaço.
“No processo de velar os corpos são introduzidos produtos químicos para a conservação dos mesmos e isso pode significar a contaminação do solo. Como alternativa buscou-se a cremação. Além disso, um cemitério horizontal ocupa uma grande área física. Mas os familiares decidem”, diz Viana.
Segundo Cristiano, a média de mortes por dia em Manaus é de 30 pessoas e em uma cidade do interior do Amazonas, morre em média uma pessoa por mês e a medida padrão de uma sepultura é de 2 metros por 1,20 centímetros de largura.
“Não se pode simplesmente cremar com a autorização da família, existem alguns requisitos, inclusive requisitos judiciais e ambientais, para que haja a cremação de um corpo. As empresas que trabalham com cremações têm o cuidado de fazer um monitoramento dos gases emitidos durante a cremação, portanto, as cremações não acontecem todos os dias e os corpos ficam guardados em uma câmara fria”, diz Viana.
Ele também explica que em Manaus a cremação não está relacionado com classes sociais, mas é uma questão cultural. “Devido a questão cristã do sepultamento, a ideia da cremação em Manaus ainda não é tão forte”, diz Viana.

Orientação religiosa
A Igreja Católica permite a cremação, mas dá preferência ao sepultamento. Para a instituição, a cremação deve ser feita sem que o ato seja uma expressão de oposição à esperança na ressurreição.
E dá algumas orientações sobre a cremação e as cinzas:
- As cinzas devem ser conservadas em um lugar sagrado, como um cemitério, uma igreja ou um local especialmente dedicado a esse fim.
- As cinzas não devem ser conservadas em casa ou distribuídas entre os familiares.
- As cinzas não devem ser dispersas na natureza, no ar, na terra ou na água.
- As cinzas não devem ser transformadas em peças de joalheria ou adornos para casa.
- A cremação não deve ter fins supersticiosos, nem de uma crença que não condiz com a fé católica.