Do ATUAL
MANAUS – Inconformados com os números apresentados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em agosto deste ano que revelaram aumento da população indígena no Censo de 2022, comparado com o Censo de 2010, membros da CPI das ONGs do Senado ouviram nesta terça-feira (10) representantes do instituto e colocaram sob suspeita os dados oficiais sobre a população indígena, principalmente na Amazônia.
Flávia Vinhaes Santos e Marta de Oliveira Antunes, ambas do IBGE, foram questionadas sobre as possíveis razões do “aumento exponencial” do número de indígenas no Censo de 2022. Marta informou que uma das explicações é o aprimoramento da metodologia do IBGE, mas que há outros aspectos desconhecimentos que só poderão ser analisados após a divulgação de outros dados do Censo, como a taxa de natalidade e de mortes entre indígenas.
Quando da divulgação dos dados, em agosto, o IBGE já havia explicado que nem se poderia falar em aumento da população indígenas, porque a mudança de metodologia permitiu a inclusão de indígenas que no Censo de 2010 não se reconheciam como tal.
Flávia, que é diretora-executiva do IBGE, e Marta substituíram o presidente do instituto, Marcio Pochmann, que não compareceu à CPI por cumprir agenda internacional. O presidente do IBGE havia sido convidado no lugar do ex-presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, que também não compareceu. Ambos os convites foram feitos em resposta a requerimento do senador Marcio Bittar (União-AC), relator da CPI.
Crescimento populacional
Para Bittar, a mudança de metodologia utilizada pelo IBGE é a única explicação possível para o aumento de cerca de 890 mil indígenas para quase 1,7 milhão de indígenas no país entre 2010 e 2022. Ele citou entrevista dada por Marta ao portal do governo federal em que ela afirma que o IBGE ampliou a pergunta “você se considera indígena?” para fora das terras indígenas no último censo.
“Mesmo levando em consideração que foi um aperfeiçoamento, houve uma alteração [de metodologia] e isso proporcionou esse dobro da população indígena. Senão, não se explica. A população indígena está entre as mais pobres, menos assistidas, e é uma das maiores taxas de mortalidade infantil. Não teria como dobrar de tamanho.”, disse o relator.
Bittar insinuou que o aumento do número de indígenas é uma estratégia para o avanço de demarcação de terras aos povos originários. “Temos 786 mil pessoas em terras indígenas para 14% do território nacional. E o que os índios dizem é que não é de mais terras que eles precisam… [mas] que possam explorar”, disse.
Esse discurso da exploração vem acompanhado da “teoria da conspiração” de fanáticos e exploradores de recursos minerais da Amazônia segundo a qual há uma organização de estrangeiros interessados nessas riquezas, que financiam as ONGs para defender os indígenas, de olho nas suas terras.
“A preocupação que nós temos é que movimentos muito poderosos de fora para dentro querem aumentar as terras indígenas pensando em manter sob controle estrangeiro recursos naturais com a desculpa de cuidado com a população indígena. E se de repente o IBGE, conscientemente ou não, acaba ajudando essa força muito grande de criar mais e mais reservas indígenas sem ter razão nenhuma para tal”, disse Bittar.
Em agosto, a CPI das ONGs ouviu a presidente do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro, Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, que levantou suspeitas sobre os métodos do IBGE para, segundo ela, potencializar o número de ingígenas. Helderli Alves disse que o IBGE estimulou pessoas mestiças a se declararem indígenas.
O IBGE, na ocasião, disse que não comentaria a opinião pessoal de cidadãos brasileiros, mas a CPI das ONGs tomou a “denúncia” como verdade.
Frágil argumento
A argumentação de Marcio Bittar é tão frágil quanto a teoria da representante do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro. Com a mudança de metodologia do IBGE, Manaus, que concentra grande quantidade de indígenas, passou a ser a cidade com a maior população indígena do país.
A capital do Amazonas tinha, em 2010, 3.837 indígenas, e apareceu no Censo de 2022 com 71.713, um aumento de 1.700%.
Segundo Marta, que é tecnologista no IBGE, a alteração de metodologia foi “responsável apenas por 55% do aumento da população indígena”. Ela mencionou outros fatores que podem ter influenciado no resultado, como menor resistência dos indígenas em responder ao Censo, devido a parcerias com a Funai e treinamento específico de recenseadores.
“A gente precisa aguardar a divulgação dos quesitos de fecundidade, mortalidade e imigração, são eles que vão nos explicar. E saber também se a explicação dos demógrafos de que o crescimento vegetativo dos povos indígenas seja em torno de 20%, 25%, realmente se sustenta (…). O recenseamento nas terras indígenas teve menor taxa de não resposta, de 1,7%. [A taxa média do Brasil] como um todo é cerca de 5%. A gente tinha dificuldade com algumas áreas onde a gente não tinha muita informação, então em 2017 a gente reuniu os órgãos indígenas, outros órgãos públicos e algumas organizações da sociedade civil para analisar a viabilidade [de acesso] e onde estão as aldeias. Em 2022 houve um aumento de 1.324 para 5.778 aldeias no mapeamento prévio (…) Tem uma parte [do número maior de indígenas] que se deve a uma grande melhoria no nosso sistema de cartografia censitária”, disse Marta.
Marta ainda afirmou que o questionário é o mesmo utilizado em 2010 e que foi incorporado a cadastros de acesso a políticas públicas, de modo que as perguntas se tornam mais conhecidas e entendidas pelos indígenas. Segundo ela, há dificuldade de tradução dos termos “negro”, “pardo” e “amarelo” para seus idiomas. A servidora também lembrou que em 2010 o órgão foi acusado de subnotificar a população indígena. Assim, o resultado de 2022 poderia ser uma “resposta” à alegada distorção naquele ano.
ONGs
O senador relator da CPI também criticou a participação de ONGs no processo de elaboração do Censo. De novo recorrendo à “teoria da conspiração”, Bittar disse ser inaceitável a participação do ISA (Instituto Socioambiental) como auxiliar do IBGE.
Segundo Marta, o ISA e outras ONGs participaram como observadores, sem influência direta, em consulta realizada com órgãos públicos para subsidiar a elaboração do Censo de 2022. O ISA também teria fornecido informações sobre aldeias de difícil acesso.
Flávia disse que o IBGE recebe apoio da sociedade civil em geral e assegurou que o instituto não tem contratos com o ISA.
Para Bittar, as atuações da ONG no processo do Censo é “promíscua” e corre risco de interferência externa de interesses estrangeiros.
“Como é que você não acha estranho o ISA participar da elaboração daquilo que há de mais essencial e básico? País nenhum no mundo aceita isso. Um instituto que recebe 80% de recursos de fora… Mas isso não parece estranho aos olhos de pessoas que conduzem o IBGE (…). Não acho que órgão como o ISA pode ter esse assento, sendo consultados para ajudar a fazer trabalho de mapeamento de dados no território nacional (…). Para mim está clara a participação de ONGs na política nacional de levantamento de dados mais importante que tem o país, feita via IBGE”, disse o senador.
Cor e raça
Os senadores questionaram o método usado pelo órgão para colher informações de cor e raça dos brasileiros. Os senadores Jaime Bagattoli (PL-RO) e Zequinha Marinho (Podemos-PA) criticaram o modelo em que o cidadão autodeclara seu pertencimento racial, sem questionamento ou averiguação do recenseador.
“O IBGE em outros tempos tinha critérios muito mais seguros de apresentar pra a gente que está precisando dos dados de vocês para trabalhar (…) Oficialmente, tem lógica alguém querer, de olhos azuis, de repente virar índio? E para o IBGE não tem problema?”, perguntou Zequinha.
Segundo Marta, o método é adotado no Brasil desde 1950 e é internacionalmente aceito. Ela ainda explicou que a prática funciona melhor para dados estatísticos, em que o órgão lida com grande quantidade de informações.
“Cor ou raça é uma percepção da pessoa sobre ela mesma, esse é o padrão internacional. A gente usa a autodeclaração não só para pertencimento étnico, mas para todas as perguntas do censo. Eu não tenho como fazer censo se eu pedir diploma quando pergunto a escolaridade (…). A gente fez teste [de heteroclassificação, quando outra pessoa classifica a raça], cada recenseador classificava a pessoa de forma totalmente diferente (…). Não necessariamente se você se declarar no censo [de alguma cor específica] faz alguma diferença para você acessar alguma política pública.
A servidora do IBGE explicou que o questionário contém cinco opções de cor e raça: banco, preto, pardo, amarelo ou indígena. Após essa pergunta, o recenseador faz a todos entrevistados outra pergunta, caso a pessoa não tenha se declarado indígena de primeira: “você se considera indígena?”. Segundo Marta, essa solução foi adotada ainda em 2010 porque o IBGE identificou que era comum membros da comunidade indígena não compreenderem as categorias elencadas. O resultado total dos indígenas no país considera tanto os que responderam “indígena” na pergunta de cor ou raça quanto os que responderam “sim” sobre se considerarem indígenas.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM), presidente da CPI, criticou a ausência do termo “mestiço”. Segundo ele, essa é uma escolha ideológica. Mas, para Flavia, é uma decisão estratégica para permitir a comparação de dados entre os diversos censos e entre outros países.
“Se a gente quer manter as estatísticas comparáveis em nível internacional, a gente precisa adotar algumas categorias. Ou você preza pela compatibilidade ou pela representatividade. A gente poderia ter um milhão de categorias para cor ou raça. Só que isso para a estatística é impossível”, disse Flávia.
Requerimentos
O colegiado aprovou dois requerimentos extrapautas de Plínio, para que os caciques Arnaldo Tsererowe e Graciano Aedzane Pronhopa, da etnia xavante, participem como convidados de audiências do colegiado.
Segundo Plínio, os nomes foram indicados pelo senador Mauro Carvalho Junior (União-MT).
(Com informações da Agência Senado)