Por Rayssa Motta, do Estadão Conteúdo
BRASÍLIA – A decisão do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), que suspendeu a execução das emendas impositivas, abriu nova crise com o Congresso. De um lado, o ministro cobra transparência na indicação dos repasses. Do outro, Câmara dos Deputados e Senado Federal alegam que não dispõem de meios para rastrear os beneficiários do dinheiro na forma requisitada.
Especialistas em Direito Financeiro e Direito Constitucional ouvidos pelo Estadão avaliam que, embora a sistemática atual esteja prevista nos regimentos internos das Casas Legislativas, ela vai na contramão da Constituição. Segundo os advogados, princípios constitucionais como publicidade, moralidade e eficiência vêm sendo violados.
“Não poderia, em uma democracia, existir quaisquer tipos de ‘segredos orçamentários’. Isso é tão inconstitucional que até o porteiro do tribunal declararia a sua nulidade”, afirma Lenio Luiz Streck, professor, parecerista e advogado.
Para ele, o modelo atual ‘fragiliza’ excessivamente o Palácio do Planalto: “Orçamento secreto é um oximoro, dois enunciados que se contradizem. Orçamento é sempre transparente. Se é secreto, não é constitucional. Emendas secretas ou invisíveis são uma forma de fragilizar o Poder Executivo, fazendo com que o Parlamento tome conta de uma parte do orçamento, impedindo a vontade popular que elegeu o presidente”.
O advogado Carlos Eduardo Braga, especialista em Direito Financeiro, lembra que a sociedade tem direito de saber e fiscalizar como o dinheiro público é administrado.
“A transparência não foi erigida a princípio constitucional, mas está intrinsecamente ligada aos princípios constitucionais. E mais, está esculpida na própria noção de Estado Democrático de Direito. A transparência fiscal surge explicitamente na Lei de Responsabilidade Fiscal e, com isso, traz o conceito do direito anglo saxão do accountability, que pode ser entendido como o dever dos agentes públicos em prestar contas de seus atos de forma responsável e transparente”, explica.
Para o advogado Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional na PUC de São Paulo, o regimento interno da Câmara e do Senado “não está acima da Constituição”.
“A postura correta e adequada do Legislativo seria submeter e fornecer os dados que o Judiciário corretamente está exigindo. Digo ‘corretamente’ porque o que o Judiciário fez neste caso foi aplicar princípios extremamente comezinhos da nossa Constituição, como o dever de transparência, de accountability, de controle sobre os gastos com o dinheiro público. O dinheiro público não pode ser tratado como se fosse um direito particular, privado, dos parlamentares”, critica.
A advogada Vera Chemim, especialista em Direito Constitucional, destaca que a Constituição exige que as informações orçamentárias sejam divulgadas, garantindo rastreabilidade e controle.
“Quando as Emendas RP8 são destinadas a Estados e Municípios, estes devem publicizar valores e destinações para garantir a transparência, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal e outras normas. O acompanhamento e controle dessas emendas cabem à União, mas a questão é do âmbito dos Poderes políticos, não do Judiciário”.
A decisão de Flávio Dino vai a julgamento no plenário virtual do STF a partir desta sexta-feira, 16, quando os ministros vão decidir se confirmam ou não a liminar. O ministro suspendeu todas as emendas individuais até que o Congresso e o governo Lula regulem novos procedimentos.