Iniciada em Roma, no dia 8 de abril, a Conferência Internacional sobre tráfico de seres humanos, terminará nesta quinta-feira, 11 de abril de 2019 com uma audiência com o Papa Francisco que aprovou recentemente o documento Orientações Pastorais sobre o Tráfico de Pessoas, amplamente estudado nesta conferência.
A conferência está sendo promovida pela Sessão Migrantes e Refugiados do Vaticano e conta com a presença de 200 especialistas na temática do tráfico de pessoas representantes de 56 países. Pelo Brasil, foram convidados(as) três representantes que se fazem presentes: Roselei Bertoldo, coordenadora da Rede um Grito pela Vida na Amazônia, instituição ligada à Conferência dos Religiosos (as) do Brasil; Xavier Plaissant do Comitê de enfrentamento ao trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra; e a minha pessoa, na qualidade de estudiosa da temática vinculada à Universidade Federal de Roraima e à Rede Eclesial Pan-Amazônica.
O objetivo da conferência é aprofundar a temática do tráfico de seres humanos na perspectiva da prevenção e do enfrentamento a este crime entendido como uma das mais graves violações aos Direitos Humanos na atualidade. Outro objetivo é retomar e aprofundar o documento Orientações Pastorais sobre o Tráfico de Pessoas, dirigido aos setores da Igreja Católica preocupados e comprometidos com o enfrentamento ao tráfico humano.
A metodologia da conferência tem como referencial o método participativo que busca envolver os 200 participantes nos estudos em torno das temáticas apresentadas por conferencista de diversas instituições internacionais que lidam com o tema, dentre elas a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e a Cáritas Internacional que conta com um departamento específico de enfrentamento ao tráfico humano.
Ao todo, são oito sessões temáticas, cada uma com duas conferências simultâneas que apresentam seus estudos para debate e aprofundamento em 23 Grupos de Trabalhos que destacam os principais desafios inseridos numa plataforma virtual que ao final do evento apresentará um panorama geral da situação do tráfico humano em nível mundial.
Todas as conferências apresentam resultados de estudos e pesquisas realizados por instituições ou especialistas vinculados a universidades de renome internacional. Os estudos ora apresentados apontam que o tráfico de pessoas afeta praticamente o mundo inteiro e se apresenta como uma forma sofisticada de escravidão moderna com estreita vinculação aos processos neocoloniais conduzidos pelo capitalismo neoliberal que vem permitindo formas requintadas de apropriação e comercialização da força de trabalho e dos corpos das pessoas inseridas numa nova dinâmica internacional de exploração.
As primeiras conclusões da referida Conferência apontam que o tráfico de seres humanos implica na atuação de grupos e empresas especializadas no aliciamento ou recrutamento de pessoas para o trabalho forçado em diferentes formas e situações que implicam a exploração sexual comercial, o matrimônio forçado, trabalho análogo ao escravo, mendicância forçada, tráfico de órgãos, exploração reprodutiva e outras formas de abuso e banalização da condição humana.
O estudo do documento Orientações Pastorais sobre o Tráfico de Pessoas aponta que “o tráfico de seres humanos atinge as pessoas mais vulneráveis da sociedade: as mulheres, jovens e adolescentes, as crianças, deficientes físicos, pessoas em situação de rua, migrantes e itinerantes”. O documento indica ainda que “se trata de um problema muito complexo e de difícil enfrentamento e erradicação por se apresentar de variadas formas, pela heterogeneidade de suas vítimas e pela diversidade de seus executores”. Além disso, representa uma economia de grande lucratividade como aquela vinculada à indústria internacional do sexo em pleno crescimento.
Por representar um setor do comércio ilícito com elevados lucros internacionais a única forma de enfrentamento é através da organização em redes com as instituições encarregadas em níveis locais, nacionais e internacionais. De acordo com os(as) conferencistas, a forma mais eficaz de enfrentamento ao tráfico de seres humanos é a criação e ou fortalecimento das redes que promovam a articulação de parcerias entre instituições vinculadas à justiça com objetivo de aperfeiçoamento de marcos regulatórios para fortalecer o enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Outra questão importante é a integração e fortalecimento de políticas públicas, redes de atendimento e organizações para prestação de serviços necessários ao enfrentamento do tráfico de pessoas, dentre os quais a necessária capacitação para o enfrentamento, a permanente produção, gestão e disseminação de informação e conhecimento sobre tráfico de pessoas em campanhas e mobilizações permanentes.
Os estudos e debates apresentados nesta conferência indicam que o Brasil apresenta retrocessos no que se refere à operacionalização do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas com a redução de recursos humanos e financeiros destinados a ampliar e aperfeiçoar a atuação de instâncias e órgãos envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas, na prevenção e repressão do crime, na responsabilização dos autores, na atenção às vítimas e na proteção de seus direitos.
Outro retrocesso refere-se à constatação internacional da incapacidade do país em reduzir as situações de vulnerabilidade ao tráfico, consideradas as identidades e especificidades dos grupos sociais, os cortes nos investimentos à capacitação de profissionais, instituições e organizações envolvidas com o enfrentamento ao tráfico de pessoas. Por fim, é preocupante que o Brasil também reduziu investimentos no que se refere à produção e disseminação de informações sobre o tráfico de pessoas e as ações para seu enfrentamento.
Todos estes retrocessos diminuem a capacidade do país em sensibilizar e mobilizar a sociedade para prevenir a ocorrência, os riscos e os impactos do tráfico de pessoas num contexto marcado por intensas migrações internas e internacionais que facilitam a atuação das redes internacionais especializadas no tráfico de pessoas.
Por outro lado, avalia-se que cresceram de forma significativa as iniciativas das instituições não governamentais que se mobilizam e se articulam em redes de enfrentamento ao tráfico de pessoas em todo o Brasil e, de maneira especial na Amazônia, com destaque para as instituições vinculadas à Igreja Católica como a Rede um Grito pela Vida e a Cáritas que continuam promovendo importantes campanhas de orientação e prevenção ao tráfico, assistência às vítimas, incentivo à formalização de denúncias e, o maior desafio que garantir proteção às vítimas e às instituições que se atrevem desafiar o crime organizado transnacional de tráfico de seres humanos.
As conclusões dos dois últimos dias da conferência serão retomadas no próximo artigo desta coluna.
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Oi Marcia. Foi um prazer conhece la nesta conferência sobre o tráfico de seres humanos. Obrigada e parabéns pelo seu e nosso trabalho em prol da vida e da dignidade.
Estamos juntas e vamos nos comunicando e nos fortalecendo nesta rede internacional de enfrentamento ao tráfico humano.
Um abraço