Da Folhapress
FORTALEZA, CE – O reconhecimento feito por uma menina de 11 anos, em inquérito que nem a polícia apontou como conclusivo, levou a Justiça a condenar o borracheiro Antônio Cláudio Barbosa de Castro a nove anos de prisão por estupro.
Quase cinco anos depois de ser preso, um novo julgamento, na segunda-feira, 29, o inocentou, e Castro, hoje com 35 anos, deixou no dia seguinte o presídio em Itaitinga, na região metropolitana de Fortaleza.
O laudo de um vídeo apontando o que pode ser o real estuprador foi a principal prova apresentada pela defesa dele no novo julgamento para a revisão da sentença.
Oito desembargadores do Tribunal de Justiça do Ceará acataram novas provas de que não foi ele que abordou a menina e outras mulheres com uma faca, em uma moto vermelha, caso que ficou conhecido na capital cearense no primeiro semestre de 2014 como o do “maníaco da moto”.
A Defensoria Pública atuou no processo de revisão, em conjunto com profissionais do Innocence Project Brasil.
Esse é um dos três casos no Brasil de pessoas que deixaram a prisão após intervenções da ONG, que começou o trabalho no país em 2016 –nos EUA, atua há 27 anos.
No caso de Castro, a ONG foi procurada pela atual e pela ex-mulher do borracheiro.
O verdadeiro estuprador fez ao menos oito vítimas, de 11 a 24 anos –entre elas, a garota. Castro não foi a julgamento pelo abuso das outras mulheres porque elas não o apontaram como o homem que as atacou.
O vídeo que aponta o real estuprador só foi descoberto no ano passado pela polícia. Trata-se de uma imagem captada em um imóvel próximo à casa da menina.
A imagem é de 8h28 de 21 de maio de 2014, dois minutos antes do estupro. A câmera flagra um homem alto com uma moto vermelha, descrição que bate com a das outras vítimas do “maníaco da moto”.
Castro tem 1,58 metro. Laudo da perícia feita há alguns meses concluiu que o homem na imagem tem aproximadamente 1,84 m.
Outros dois pontos contribuíram para a revisão da sentença: a declaração de duas investigadoras da Polícia Civil que à época participaram do inquérito não conclusivo, e que acreditavam na inocência do borracheiro, e o fato de que crimes de estupro com a mesma característica continuaram ocorrendo mesmo após a prisão de Castro.
O borracheiro foi relacionado ao crime em um salão de beleza, em julho de 2014. A menina, que havia sido atacada dois meses antes, estava cortando o cabelo. Quando Castro entrou, a garota disse à mãe que o reconheceu, primeiro na voz e depois ao olhá-lo diretamente, como o homem que a estuprou.
Assustada, a mãe conseguiu fotos dele dias depois e mostrou à menina, que reafirmou ser ele o autor do estupro. A mulher, então, procurou a polícia. A imagem com o rosto de Castro acabou parando em redes sociais e programas de TV. Instantaneamente, ele virou o “maníaco da moto”.
Outras quatro mulheres procuraram a polícia, ao verem as imagens, afirmando ser ele o estuprador. Um mês depois do episódio no salão de beleza, o borracheiro foi preso temporariamente.
Durante o processo, porém, as outras vítimas recuaram do reconhecimento ao vê-lo pessoalmente. A única que manteve a acusação foi a menina.
Não houve, durante a investigação, análise de amostras de DNA, por exemplo. Na sentença a juíza à época escreveu que “a palavra da vítima é o que há de mais decisivo no esclarecimento dos crimes sexuais, uma vez que, em sua esmagadora maioria, os delitos são cometidos às ocultas”.
“O Antônio deveria ter sido inocentado no primeiro julgamento. Além da altura e de apenas uma acusadora, o estuprador tem uma cicatriz e Antônio Cláudio não tem nem um arranhão. Além disso ele não tinha moto vermelha à época”, disse o defensor público Emerson Castelo Branco.
“Em casos de abuso sexual a palavra da vítima vale muito. O depoimento [da menina de 11 anos] teve peso muito grande e acabou descontextualizando outros elementos de prova”, diz a advogada Flavia Rahal, do Innocence Project.
Na época do julgamento, o borracheiro afirmou à polícia que tanto no caso da menina quanto das outras mulheres, ele estava trabalhando no momento dos crimes.
Para o caso específico da garota, na ocasião não houve trabalho da polícia, da Promotoria ou da defesa de verificar esse álibi, segundo a Innocence Project.
O Ministério Público do Ceará, que foi quem o acusou em 2014, se manifestou por escrito e depois durante o julgamento, por meio de uma procuradora presente, favorável ao pedido da defesa de revisão da sentença.
Na saída do presídio, com familiares, Castro foi aplaudido por mulheres que esperavam para visitar parentes presos.