Da Folhapress
PORTO ALEGRE – Em uma prisão do regime de Adolf Hitler, na Alemanha, nasceu Anita Leocádia Prestes. Sua mãe, a militante comunista Olga Benário, foi entregue grávida ao genocida pelo presidente Getúlio Vargas, em 1936. Seu pai, o gaúcho Luiz Carlos Prestes, estava preso no Brasil.
Anita escapou do nazismo graças à campanha liderada pela avó paterna, Leocádia, ao lado de sua tia, Lydia. Após a libertação da menina, Olga morreu em uma câmara de gás.
Aos 83 anos, Anita publica o livro de memórias ‘Viver É Tomar Partido’ (Boitempo, 2019). Para ela, o comunismo “tem sido usado como uma justificativa para perseguir pessoas” e não representa “perigo nenhum”. Paula Sperb
Folhapress – Como é crescer sabendo que esteve em posse de nazistas?
ANITA PRESTES – Nasci na prisão de mulheres. Minha mãe foi para o campo de concentração depois que eu fui devolvida. Me habituei desde pequena com a verdade porque a minha família nunca foi de dramatizar as coisas. Me ensinaram a lutar. Entendia, inclusive, que tinha gente em condições muito piores que a minha. Fui salva graças à campanha internacional. Poderia ter sido levada para um orfanato nazista.
Sempre fui muito cuidada, com solidariedade tanto no Brasil como no exterior. Quantas crianças, pessoas inocentes morreram vítimas do nazismo?
O presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo já disseram que o nazismo é de esquerda. Por que esse equívoco tem sido propagado?
É o capitalismo desesperado diante da situação de sua própria crise, refletida na insatisfação popular, nas greves, nas manifestações. Precisam inventar uma história para se justificar, dizendo que o nazismo é de esquerda, que o holocausto não existiu, que o comunismo é um perigo. A realidade do comunismo é tão precária que não significa perigo nenhum.”
No seu livro, a senhora conta que ainda criança foi perseguida por ser filha de comunistas. Uma diretora tentou evitar seu ingresso na Escola Nacional de Música (hoje UFRJ). O rótulo de comunista retornou à pauta, usado contra artistas, intelectuais e políticos moderados.
A diretora, naturalmente, era influenciada pela propaganda anticomunista da época. Meu pai era um demônio e eu, por consequência, um demoniozinho (risos). Essa propaganda faz a cabeça das pessoas. É isso que a gente está vendo.
No golpe de 1964, alegavam que era para evitar o comunismo e contra a corrupção. Exatamente a mesma coisa de agora. Muita gente é perseguida sem ter nada a ver com comunismo. Precisam de bodes expiatórios. Comunismo é usado como uma justificativa para perseguir as pessoas.
A senhora foi perseguida pela ditadura militar. O que pensa sobre os elogios ao período feitos por Bolsonaro e seus apoiadores?
É toda uma política para justificar repressão, para implementar medidas autoritárias. Criam essas histórias para conquistar adeptos. Através do WhatsApp, Bolsonaro conseguiu se eleger. O PT fez muita coisa errada, mas espalharam barbaridades que não tinham cabimento, coisas inventadas.
Seu pai e a senhora romperam com o PCB. Por quê?
Eu até rompi primeiro porque não tinha as responsabilidades que ele tinha. Ele rompeu quando redige a ‘Carta aos Comunistas’ (em 1980, quando cobra autocrítica do partido). A gente fez muita força para ver se modificava a direção, se fariam autocrítica da política errada de ‘revolução em etapas’. A gente chegou à conclusão que o Brasil era outro, não podia repetir aquelas teses erradas. Ele se convenceu que não tinha como mudar (o partido) e decidiu não continuar dando aval.