É preocupante que, cada vez mais, morram policiais no combate ao crime e às organizações criminosas sem que, efetivamente, sejam tomadas ações judiciais mais adequadas de controle da execução penal e implementadas políticas públicas que deem suporte social e avancem além da atividade policial, condição imprescindível para mudar as estatísticas de morte de policiais assassinados e melhorar indicadores de criminalidade.
A polícia é o front da sociedade no combate ao crime e suas organizações, com vistas ao tratamento da insegurança pública. Apura, investiga e relata. Entra, luta e sai de áreas de confronto e de riscos, muitas vezes, com irremediáveis perdas humanas. É um ciclo diário, contínuo, previsível, caro, violento, paliativo e, mesmo assim, não se avança um milímetro na questão da segurança pública para além da resposta policial e do obsoleto modelo poder-polícia-presídio.
Obviamente, a polícia é necessária e dificilmente deixará de ser. Ela enfrenta, quase sempre, aquilo que não tem mais jeito no que concerne aos crimes e aos criminosos. Porém, a sociedade jamais estará segura se combater apenas os efeitos, as consequências e descuidar dos fatores que geram a violência ilegítima, o crime e a insegurança sistêmica. Indispensável, portanto, que ao lado da ação policial, seguindo-se a esta, haja a adequada ação social, tratando a vulnerabilidade extrema, resgatando o espaço antes dominado pela economia e cultura do crime, a fim de que o Estado ocupe o devido espaço público, recupere o território e passe a contar com a adesão da população. É o predomínio do modelo licitude-assistência-justiça, fundamental não apenas para suplantar a criminalidade como também impedir que as polícias funcionem apenas como “bucha de canhão”.
A lógica desse outro modelo implica em operar de forma clara e eficaz da seguinte forma: para cada ação, operação ou atividade policial, considerada de investigação e de enfrentamento mais complexo, tem que haver a correspondente ação social e assistencial à família do envolvido e à comunidade alvo, na qual se deu a ocorrência ou a operação de polícia, com ou sem prisões e confrontos. Quer-se, com isso, tratar da família e da comunidade alvo, a fim de que estas não continuem a ser cooptadas, recrutadas, patrocinadas pelas organizações criminosas nem sirvam de celeiro de mão de obra à economia do crime. O modelo licitude-assistência-justiça é decorrência básica do que dispõe a Constituição Federal brasileira acerca da segurança pública quando não sujeita a uma interpretação limitadora do art. 144/CF, mas que também é atenta à segurança disposta nos artigos 5° e 6° da mesma Carta política.
Do contrário, sem tratar das famílias e das comunidades alvos, incluindo-as em programas de educação, lazer e ocupação formativa de tempo integral, trabalhando desde as crianças aos adultos jovens, dificilmente se poderão romper os laços com a economia e a cultura do crime, vez que por muito tempo foram por estas condicionadas e ordenadas. Tome-se, por exemplo, o caso das UPP’s, nas quais se instala a polícia, mas sem ações sociais articuladas e capilarizadas na comunidade e junto às famílias, permite-se que, com o tempo, a economia do crime volte a se reorganizar, dessa vez, adaptando-se ao contexto das UPP’s, voltando a dominar a área. Os altos investimentos realizados no combate à insegurança vão se tornando ineficazes, onerando ainda mais a coletividade. E a consequência da inércia governamental, por conta da ausência de políticas públicas sociais e institucionais voltadas às famílias e às comunidades alvos, é a manutenção do retrógrado modelo poder-polícia-presídio, que faz inúmeras vítimas: pessoas inocentes, a sociedade, a ordem pública e principalmente os próprios policiais.
Estatísticas oficiais informam que, no Brasil, um policial é morto a cada 32 horas. É uma média bastante alta quando comparada a países como os EUA, pois para cada policial americano morrem seis brasileiros. Nos últimos anos, a partir de 2010, tem ocorrido crescente número de polícias assassinados em decorrência da luta contra o crime e contra as facções criminosas. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, ocorrem muitos homicídios na folga destes policiais. Semana passada, em Manaus, ocorreu a execução do Delegado de Polícia, Oscar Cardoso, e, no Rio de Janeiro, do subcomandante da UPP da Vila Cruzeiro, Leidson Acácio, alvejado fatalmente aos de 27 anos.
Ser policial, no Brasil, está se tornando algo de altíssimo risco – uma questão extrema de matar ou morrer em qualquer situação. Um processo de radicalização da violência criminosa e da insegurança pública que é preciso frear e reverter urgentemente. Por conta disso, enfim, é essencial superar o velho modelo. E preservar a vida de muitos cidadãos inocentes e profissionais que atuam nas polícias estaduais e federais.
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