EDITORIAL
MANAUS – O presidente Jair Bolsonaro pediu ao Ministério da Saúde que avalie caminhos para que o uso de máscaras seja dispensado em todo o país. Ele pretende acabar com a obrigatoriedade do equipamento de proteção contra a Covid-19 recomendado por especialistas.
Na semana passada, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, deu declarações sobre o tema, e se posicionou contra a obrigatoriedade, instituída por decretos de governos estaduais e prefeituras municipais.
“Somos contra essa obrigatoriedade (do uso de máscaras). O Brasil tem muitas leis e as pessoas, infelizmente, não observam. O uso de máscaras tem de ser um ato de conscientização”, disse o ministro.
Conscientização, no Brasil, é “conversa pra boi dormir”. Há pelo menos 30 anos no Amazonas as autoridades pedem “conscientização” da população para não jogar lixo nas ruas. Neste ano, durante a enchente dos rios Negro e Solimões, assistimos ao resultado: toneladas e toneladas de lixo boiando nas águas que circundam a cidade de Manaus.
Imaginem uma pessoa acometida de Covid-19 dentro de um ônibus ou metrô, sem máscara, soltando um espirro. Com a máscara, essa pessoa poderia contaminar as pessoas mais próximas. Sem a máscara, o risco de infecção seria quadruplicado.
A máscara é mais para proteger os outros do que à pessoa que a usa. Mas também, quando usada corretamente, evita que a pessoa leve a mão ao nariz e depois toque em peças de uso comum, como maçanetas de portas, corrimãos e torneiras. Isso evita que uma pessoa infectada espalhe o vírus.
Outra questão é o costume do uso do equipamento. Como qualquer coisa na vida, o ser humano se adapta facilmente ao uso de um acessório como a máscara. De tanto usar, as pessoas já passam a encarar a máscara como uma peça essencial na vestimenta, assim como são as meias, os sapatos ou um boné.
Bolsonaro faz cavalo de batalha contra o uso de máscara por pura birra. Desde o início da pandemia, ele se posicionou contra e fez de um tudo para contrariar os que defendem o acessório. O alvo do presidente da República, na verdade, era governadores e prefeitos que estavam trabalhando no combate à pandemia.
Orientados por cientistas, governadores e prefeitos editaram decretos obrigando o uso de máscaras em seus territórios, com a aplicação de multas para quem os descumprissem. Bolsonaro foi multado diversas vezes por promover aglomerações e ignorar as normas que obrigam o uso da máscara.
Com ele, uma legião de seguidores também sai às ruas sem o equipamento de proteção. Alguns chegam a brigar para não colocar a máscara quando são abordados na entrada de estabelecimentos comerciais ou órgãos públicos.
É para agradar esses seguidores que Bolsonaro quer acabar com a obrigatoriedade da máscara. E encontra guarida até no Ministério Público.
A subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, em manifestação no âmbito de notícias-crimes ajuizadas no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o presidente da República por desrespeitar os decretos que obrigam o uso do acessório, coloca em xeque sua eficácia.
Lindôra Araújo tem razão quando afirma que o desrespeito ao uso de máscara em local público é passível de sanção administrativa, mas não tem gravidade suficiente para ensejar punição penal.
Mas a subprocuradora peca nos argumentos ao minimizar a importância da máscara. Segundo ela, “os estudos que existem em torno da eficácia da máscara de proteção são somente observacionais e epidemiológicos”. Ela também diz que “o grau de eficácia preventiva [da máscara] permanece indefinido.”
Não há necessidade de estudo para provar que a máscara protege tanto quem usa quanto as outras pessoas em locais públicos. E se todos estiverem usando o equipamento, mais protegidos estarão.
O Brasil tem outros problemas que passam ao largo das atividades diárias e das preocupações do presidente da República. Enquanto ele está preocupado com as máscaras, a inflação começa a entrar em um espiral de descontrole, com preços de produtos e serviços subindo diariamente.
O país está com o sistema de energia elétrica à beira do colapso. O preço da energia e dos combustíveis começa a tirar o sono de milhões de brasileiros, enquanto o presidente permanece inerte, ou jogando a culpa nos outros.
O desemprego e a fome invadem as casas de milhões de brasileiros e leva boa parte deles, inclusive, a perder o local de moradia para viver nas ruas.
Nada disso parece incomodar o presidente da República. Mas o uso de máscaras, na opinião dele, é um mal que precisa ser combatido.