Por Jéssica Maes e Diana Yukari, da Folhapress
SÃO PAULO – Com sucessivas ondas de calor e recordes de temperatura sendo quebrados, julho foi o mês mais quente já registrado. A marca foi batida na comparação com medições diárias, que remontam às últimas décadas, mas também em relação às estimativas de milhares de anos atrás.
De acordo com dados de temperatura do Centro Nacional de Previsão Ambiental dos Estados Unidos, analisados preliminarmente pela Universidade do Maine e publicados na ferramenta Climate Reanalyzer, as temperaturas diárias ao longo do mês ficaram entre 0,56°C e 0,98°C acima da média (de 1979 a 2000).
O centro é ligado à Administração Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês), uma das maiores autoridades de monitoramento do clima.
O mês foi marcado pela quebra de recordes diários de temperatura. Logo na primeira semana, três foram batidos: no dia 3 a média global chegou a 17,01°C, superando a marca de de 2016 de 16,92°C (que se repetiu em 2022); o recorde foi quebrado novamente no dia seguinte, com 17,18°C; e, no dia 6, o índice anterior também foi ultrapassado, atingindo 17,23°C.
Desde então, os termômetros seguiram em patamares altos, com a média mundial ficando acima de 17°C em quase todos os dias, segundo os registros do Climate Reanalyzer.
Na última semana, o observatório europeu Copernicus e a OMM (Organização Meteorológica Mundial, vinculada à ONU) advertiram que as três primeiras semanas de julho foram o período mais quente já registrado e que o mês caminhava para ser o mais quente da história.
Comentando o alerta, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, disse que era inegável que a culpa pelo planeta estar tão quente é dos humanos e que as condições atuais são consistentes com alertas emitidos por cientistas.
“A única surpresa é a velocidade da mudança. A mudança climática está aqui, é aterrorizante e é só o começo. A era do aquecimento global está acabando -a era da fervura global chegou”, afirmou. “O ar é irrespirável, o calor é insuportável e os níveis de lucro advindo dos combustíveis fósseis e da inação climática são inaceitáveis”.
Por que faz tanto calor?
Alguns fatores ajudam a explicar o recorde de julho. Entre junho e agosto normalmente são registradas as temperaturas globais mais altas, já que o verão no hemisfério norte puxa a média para cima.
Além disso, o El Niño, caracterizado pelo aquecimento do Oceano Pacífico na região da linha do equador, faz com que mais água evapore e mais calor seja liberado na atmosfera.
Mas só isso não é o suficiente para justificar temperaturas tão acima da média.
A vice-diretora do Serviço de Mudança Climática do Copernicus, Samantha Burgess, explica que, apesar dos registros do grupo irem apenas até 1940, além de medições diárias individuais como estas, também é possível aferir as temperaturas do passado analisando, por exemplo, o ar preso em camadas de gelo.
“Outros cientistas já disseram que [o nível atual] é o mais quente que o clima já esteve na história humana, e esses registros de dados paleoclimáticos vão até 120 mil anos atrás”, diz.
O cientista do clima Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará, concorda. “É considerável a probabilidade de que esses dias tenham sido os mais quentes desde o início do Holoceno, ou seja, desde o final da última glaciação”, diz.
O Holoceno começou há cerca de 12 mil anos e o período glacial que veio antes dele durou aproximadamente 100 mil anos. Ou seja, para ter chances de o planeta ter tido temperaturas tão altas, é preciso que elas tenham precedido essa glaciação. “Teríamos que retroceder até o Eemiano, que foi o interglacial anterior ao Holoceno, e estamos falando aí de 120 mil anos atrás”.
“E nós sabemos que existe uma correlação direta entre a concentração de gases-estufa na atmosfera e as temperaturas globais”, ressalta Burgess.
A temperatura do planeta já aumentou 1,2°C desde a Revolução Industrial e, portanto, eventos de calor extremo já são afetados pelas mudanças climáticas -provocadas pelas atividades humanas que emitem gases de efeito estufa.
De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU), ondas de calor, como as que têm atingido todo o hemisfério norte, dos Estados Unidos à China, triplicaram no mundo na comparação com o período de 1850 a 1900 (quando as emissões humanas de carbono começaram a escalar). O aquecimento global também faz aumentar a intensidade destes eventos.
Segundo o grupo de pesquisas WWA (World Weather Attribution), as ondas de calor que atingiram a América do Norte e a Europa em julho teriam sido “virtualmente impossíveis sem a mudança climática”.
O estudo aponta, ainda, que o aquecimento global induzido pelos humanos tornou o recente calor extremo na China “pelo menos 50 vezes mais provável”.
O que esperar do resto do futuro
Justamente por não ser um fato isolado, o calor extremo observado nas últimas semanas pinta um cenário preocupante para o futuro.
O meteorologista Tércio Ambrizzi, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, avalia que até agora as evidências são de que o El Niño atual é de intensidade moderada. Mesmo assim, tem “quase 100% de certeza” que o fenômeno levará 2023 a bater o recorde de ano mais quente da história.
“O recorde anterior foi de 2016, que também foi um ano de El Niño, inclusive um muito forte. Portanto este ano, mesmo que o El Niño seja moderado, associado a um aquecimento maior da atmosfera, vai fazer com que 2023 bata o recorde anterior”, afirma.
Ainda assim, 2023 pode ser o mais frio dos anos futuros. Segundo as previsões dos cientistas, se não houver um corte drástico na queima de combustíveis fósseis e na emissão de carbono, o aquecimento global vai continuar se acentuando.
“A menos que fechemos a torneira das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, 2023 parecerá frio quando estivermos em 2033 ou 2043”, destaca Burgess.
“Precisamos ter uma ação climática ambiciosa para cortar emissões, estabilizar nosso clima e garantir que ele permaneça habitável não apenas para as pessoas, mas para todos os ecossistemas ao redor do mundo dos quais dependemos”.