Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – Há dois anos, R$ 7,5 milhões estão no fundo do Conselho da Criança e do Adolescente, da Sejusc-AM (Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania), para a construção do Centro Integrado de Apoio à Criança e Adolescente. O local visa atender vítimas de exploração sexual infantil, mas até o momento não saiu do papel. É o que afirmam representantes da Rede de Proteção à Infância ouvidos pelo ATUAL.
Amanda Ferreira Gomes é fundadora e coordenadora geral do Iacas (Instituto de Assistência à Criança e ao Adolescente Santo Antônio) e integrante do Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual no Amazonas. Ela explica que além da Depca (Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente) é preciso que no local haja todos os serviços necessários para atender a vítima.
“Hoje ainda as crianças que denunciam têm que sair dali. Elas vão, denunciam na delegacia, recebem um encaminhamento para ir ao IML e um para a saúde”, explicou.
“E às vezes essa família só tem o dinheiro para chegar na delegacia. O que acontece na maioria das vezes? Se não tiver alguém que dê suporte, ela só vai até a delegacia. Ou às vezes, quando muito, ela vai até o IML. Dependendo do caso ela nem vai ao IML, vai direto para a [Maternidade] Moura Tapajóz, porque é um dos lugares que temos muito especializado sobre isso”, acrescentou.
Amanda esclarece que é importante que a vítima vá aos dois lugares, que estão em zonas opostas. “Porque um referencia e dá materialidade para o crime, que é o IML [zona norte], e outro [Moura Tapajóz, zona oeste] precisa porque ela precisa de saúde, tomar o coquetel para combater todas as doenças possíveis daquela violência sofrida e ter um atendimento médico”, pontuou.
O acompanhamento psicológico às vítimas é deficiente. “Tem o Creas [Centro de Referência Especializado de Assistência Social] que deveria fazer esse atendimento pelo menos nesse período de seis meses a um ano que pudesse dar um suporte social para essa família e criança. No atendimento à saúde esse está muito ruim, porque só temos os atendimentos imediatos. Mas no Caps [Centro de Atenção Psicossocial], que precisaria de um atendimento psicológico continuado, isso não temos quase nada”, criticou.
Serviços unificados
Amanda Ferreira explica que o Centro Integrado de Apoio à Criança e Adolescente tem respaldo nos Planos Nacional e Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual.
Ela explica que o MPT (Ministério Público do Trabalho) percebeu a necessidade e destinou R$ 7,5 milhões, sendo R$ 5 milhões para a construção do Centro e R$ 2,5 milhões para ações em municípios do interior que podem funcionar como polos de atendimento.
“Esse recurso já está no fundo do Conselho, vinculado à Sejusc. Ele já está lá há dois anos. O Conselho, que é o normatizador da Política de Proteção à Criança e ao Adolescente, por sua vez, já fez o projeto básico e arquitetônico para apresentar ao governo”, disse.
A ideia é unificar todos os serviços em uma única estrutura, no próprio espaço da Depca, na zona centro-sul de Manaus. “Hoje a criança tem que falar na delegacia, no IML e na Saúde. Então ela relata a mesma coisa várias vezes, às vezes num único dia e é extremamente esgotante e torturante isso para uma criança”, contou Amanda.
Amanda explica que para a Rede da Infância a Depca é o melhor local para funcionar o Centro. “Porque tem a delegacia embaixo e tem um batalhão da Polícia Militar que pode ser deslocado para qualquer um outro lugar. Então tem um prédio bom, uma localidade boa, que daria para montar todos esses serviços em um único lugar”, pontuou.
Rosivane Souza dos Anjos é psicóloga e coordenadora do projeto Içá Ação e Proteção, da Cáritas Arquidiocesana de Manaus, que acontece em parceria com a Cáritas Alemã, e atua no combate ao abuso e exploração sexual e tráfico de crianças e adolescentes.
A psicóloga pontua que o Centro ofereceria um atendimento mais humanizado às vítimas e que as dificuldades de deslocamento desrespeitam a lei
“A Lei 13.431/2017, a Lei da Escuta, legaliza o atendimento humanizado de crianças e adolescentes, no que diz respeito a revitimização das vítimas quanto ao deslocamento para serviços como Savvis [Serviço de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual], IML, psicossocial, delegacia e Defensoria, que hoje encontram- em zonas diferentes, levando muitas vezes a desistência da denúncia e a continuidade do atendimento”, pontuou.
Falta de vontade
Padre Hudson, da Arquidiocese de Manaus, integrante da Rede de Proteção à Infância por meio da Cáritas Arquidiocesana, afirma que há um consenso quanto à escolha da Depca.
O padre afirma que já existe tudo o que é necessário para a implantação da unidade de apoio. “Nesse momento o que a gente vê é que está faltando vontade política, faltando assinar isso aqui, fazer com que a Secretaria de Segurança Pública seja a secretaria de referência”, criticou.
O líder religioso diz que a esperança era que o pedido fosse atendido antes de junho. “A gente gostaria que antes de todos esses desafios que vêm nesse ano político, de possibilidade de afastamento de quem está no cargo por questão eleitoral, que as coisas fossem resolvidas antes”, pontuou.
Ele conta que a Arquidiocese de Manaus realizou uma reunião com a Rede de Proteção à Infância em que foi elaborada uma carta com a viabilidade do Centro, que deveria ser levada para audiência do arcebispo Dom Leonardo Steiner com o governador Wilson Lima neste mês de maio.
“Essa audiência tinha sido marcada, depois ela acabou sendo cancelada, da parte própria do governo. E o arcebispo está esperando esse encontro com o governador para que ele ouça qual é o apelo”, relatou.
“A Rede de Proteção acredita muito na sensatez e na sensibilidade do governador. O Dom Leonardo também está esperando esse encontro para mostrar que a gente está unido e acredita no governador”, afirmou.
Rosivane Anjos avalia que, por ser um ano político, existem vários interesses em jogo, principalmente a visibilidade “Talvez a vontade política seja o entrave [para a construção]”, considerou.
Centro permanente
A coordenadora geral do Iacas afirma que a Rede da Infância solicitou à Assembleia Legislativa que fizesse uma lei que efetivasse a política de atenção às vítimas de violência, como a constituição do Centro Integrado.
“Por que que a gente precisa de uma lei? Porque precisamos que esse projeto não seja desarticulado por ninguém. E só um projeto de lei vai garantir isso. Porque quando pensamos num projeto político, qualquer um outro governante passe desmonta. E com um projeto de lei não”, explica.
De acordo com Amanda, o projeto está na Casa Civil desde janeiro deste ano. “Já houve a apresentação, a relatoria de cada secretaria que ali vai compor”.
No último dia 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, uma das ações da Rede da Infância foi procurar o presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Roberto Cidade (PV), para que auxiliasse na saída do projeto da Casa Civil, para votação na Assembleia.
“Ele vindo para votação, o governador assinando, o projeto começa a ser executado e só falta isso, porque o recurso existe”, disse Amanda. Segundo ela, o deputado afirmou que o processo seria agilizado e agora aguarda.
O ATUAL procurou a Sejusc-AM e questionou por que o Centro Integrado de Apoio à Criança e Adolescente ainda não foi construído e quando começará a implantação do local. A pasta não respondeu até a publicação desta matéria.