Da Redação
MANAUS – Com as chuvas acima da média na Amazônia Central e Ocidental, a cota máxima do Rio Negro deve atingir 29,51 metros, em média, com margem de erro de 30 centímetros para cima ou para baixo (29,21 m-29,81 m). Nesse ritmo, segundo o pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Jochen Schöngart, Manaus terá este ano mais uma cheia severa.
As cheias extremas resultam em graves problemas de saúde pública, perda de infraestrutura, propriedades e afeta vários setores socioeconômicos como a agricultura e pecuária nas várzeas. A pandemia de Covid-19 pode agravar esses problemas. “A necessidade de abandonar as moradias alagadas em zonas urbanas e regiões rurais afetadas pode contribuir para um aumento de infecção por SARS-CoV-2 e da variante P.1”, diz Schöngart, doutor em ciências florestais e vice-coordenador do Grupo de Pesquisa em Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas.
“Uma possível terceira onda da pandemia pode coincidir com a ocorrência da cheia e exige um intenso monitoramento e preparo pelas políticas públicas competentes para mitigar os impactos que podem resultar da sinergia da cheia e do intenso aumento de casos da Covid-19”, alerta.
A enchente de 2021 deve ser a sétima maior nos últimos dez anos. A projeção do pesquisador coincide com a estimativa do Serviço Geológico do Brasil, de 31 de março deste ano, que também alerta sobre a subida das águas do rio.
Schöngart projeta a nova cheia a partir de modelos matemáticos que resultaram no projeto “Prevendo a evolução da bacia hidrográfica da Amazônia para prever o nível da água”, financiado pelo Fundo Newton por meio do programa bilateral Climate Science for Service Partnership (CSSP) Brasil do Met Office (Reino Unido).
Oceanos
De acordo com o Schongart, o aumento da magnitude e frequência de eventos de cheias severas na região da Amazônia Central durante as últimas três décadas, chamado de “intensificação do ciclo hidrológico”, é resultado de uma complexa interação dos grandes oceanos.
Os oceanos afetam, por meio do aquecimento e esfriamento das suas águas superficiais, grandes circulações atmosféricas. Isso influencia na formação de nuvens, chuvas e o regime hidrológico dos rios na Bacia Amazônica.
“A intensificação do ciclo hidrológico na maior hidrobacia do mundo é em boa parte influenciada pela variação natural das condições oceanográficas, mas a ciência mostrou evidências da influência antrópica (do homem) por meio de mudanças climáticas globais na intensificação do ciclo hidrológico”, explica o pesquisador.
Neste ano, o esfriamento anormal das águas superficiais do Pacífico Equatorial na região central-leste, conhecido como La Niña, contribuiu, junto com as águas superficiais do Atlântico Tropical aquecidas, numa maior formação de nuvens e chuva em boa parte da bacia Amazônica.
O resultado é o expressivo aumento da amplitude a partir no nível mínimo da água registrado no Porto de Manaus (16,60 m) ano passado. “O nível da água de hoje (09/04/2021) já está mais que 11 metros acima do nível mínimo da água do ano passado (27,75 m) e ainda vai aumentar até meados de junho. Somente nos anos das três maiores cheias históricas registradas em Manaus em 2012 (29,97 m), seguido de 2009 (29,77 m) e 1953 (29,69 m), o nível da água foi maior nesta data em comparação com 2021”, diz Schongart.
Os níveis máximos de água dos rios Negro e Solimões, que geralmente ocorrem no mês de junho, são fortemente influenciados pelas chuvas nas suas extensas cabeceiras durante os meses de novembro a fevereiro, já que a extensa rede de rios e áreas úmidas reduzem a propagação das ondas de inundação por meses.
“Esta defasagem entre as chuvas nas cabeceiras e o pico da cheia na Amazônia Central permite o desenvolvimento de modelos estatísticos capazes de prever, desde março ou antes, a cota máxima da cheia que tipicamente ocorre em junho. A previsão da cheia de 2021 baseada neste novo modelo indica uma cheia atingindo a cota de 29,38 m”, diz.
O pesquisador afirma que a intensificação do ciclo hidrológico é um grande desafio para as políticas públicas que precisam ser ajustadas à essa nova realidade. As previsões sazonais de pico de cheias com um longo tempo de antecedência fornecem uma ferramenta confiável para prevenção e redução dos impactos da cheia. “Isso é de fundamental importância para o desenvolvimento sustentável da região amazônica, cada vez mais impactada por extremos eventos hidro-climáticos”, diz Schongart.