Da Folhapress
BRASÍLIA – Em meio à crescente tensão entre o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Palácio do Planalto, os ministros da corte aproveitaram sessão da Segunda Turma desta terça-feira, 16, para mandar recados ao Executivo. A fala mais dura foi do decano, Celso de Mello, que disse ser “inconcebível” a sobrevivência de “resíduo de forte autoritarismo” no Estado brasileiro.
“É inconcebível que ainda sobreviva no íntimo do aparelho de Estado brasileiro o resíduo de forte autoritarismo, que insiste em proclamar que poderá desrespeitar, segundo sua própria vontade arbitrária, decisões judiciais. Esse discurso não é um discurso próprio de um estadista comprometido com o respeito à ordem democrática e que se submete ao império da Constituição e das leis da República”, afirmou o ministro.
Sem citar diretamente o presidente Jair Bolsonaro, o magistrado se referiu à ameaça feita pelo presidente e seus ministros de que o governo pode descumprir eventualmente decisões da corte. Esta não é a primeira vez que Celso manda recados ao Planalto.
No fim de maio, ao retirar o sigilo do conteúdo de uma reunião ministerial do governo Bolsonaro, o ministro do STF escreveu em decisão que o descumprimento de determinação da Justiça é crime.
Celso disse ainda que é preciso resistir, “mas resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis dos Estado brasileiro e reconhecer na independência da suprema corte a sentinela das liberdades. porque sem juízes independentes, jamais haverá cidadãos livres neste país”.
Antes do decano, a presidente da Segunda Turma, ministra Cármen Lúcia, deu início à sessão com um recado ao momento político em que apoiadores do presidente têm atacado o STF.
Cármen afirmou estar preocupada com o cenário e disse que os ataques não são espontâneos, mas “instigados e incentivados”, sem citar nomes. “Gostaria de expressar a preocupação com o cenário que se está buscando construir no palco das relações sociopolíticas no país. Esse cenário instigado e incentivado que nada tem de espontâneo por alguns poucos que se negam a acatar os valores de humanidade, de respeito social individual e institucional parecem não se preocupar em que a convivência democrática não pode ser dificultada, tem que ser facilitada”, afirmou a ministra. Ela ainda saiu em defesa dos ministros do STF, alvo de ataques da base de apoio de Bolsonaro.
“Somos nós juízes constitucionais, servidores públicos, a quem incumbe o dever de em última instância judicial não deixar que o Estado democrático de Direito se perca, porque todos perderão. Atentados contra instituição, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferente volta-se contra todos, contra o país”, afirmou.
Cármen disse que as ações de “uns poucos” não intimidarão os integrantes da magistratura na tarefa de guardar a Constituição e fazer ser cumprida a lei. “Este tribunal é presente, está presente, permanecerá presente e atuante. Este tribunal teve um passado a ser reverenciado e o cidadão brasileiro tem um futuro a ser assegurado. Esse futuro tem a sua garantia democrática na Constituição que será guardada respeitada e aplicada”, disse, encerrando sua fala.
Com uma série de questões pendentes na Justiça, o governo Bolsonaro tem adotado uma postura de ataque em relação ao Judiciário e, em especial, ao STF. Em manifestações em defesa do governo, apoiadores do presidente têm dirigido críticas à instituição.
Na semana passada, o próprio presidente da corte, Dias Toffoli, em live organizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, pediu uma trégua entre os Poderes. Ele disse, em afirmação destinada “diretamente e em especial” ao chefe do Executivo, que “não é mais possível atitudes dúbias”.
Nessa segunda-feira, 15, dois dias depois de o STF ter sido alvo de ataques de manifestantes que lançaram fogos de artifício contra a sede da corte, Bolsonaro pediu à sua equipe que evite criticar publicamente o tribunal para não intensificar o tensionamento.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, no domingo, 15, o ministro da Justiça, André Mendonça, e outros membros do governo buscaram integrantes do Supremo para minimizar a participação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, no protesto contra o STF e evitar que a manifestação de apoiadores do presidente no dia anterior respingasse na relação entre os Poderes.
Nas conversas, ministros da corte fizeram chegar ao governo profunda insatisfação com o silêncio de Bolsonaro diante do ataque ao Supremo.